logotipo-colorido-1

AO VIVO

Divulgação Científica para crianças

plataforma de 1 real

Imagem meramente ilustrativa via Pixabay

Nos últimos meses, notícias em torno de uma suposta cura para o autismo popularizaram o termo “MMS”, substância que, na verdade, equivale à água sanitária.

Tais notícias ganharam a mídia brasileira, chegando, inclusive, a programas de grande audiência como o Fantástico, na TV Globo.

Esta falsa promessa de cura para o autismo parece se espalhar rapidamente, dentre outros motivos, em função da desinformação sobre esta condição, já que o autismo não é considerado uma doença e, por isso, não pode ser curado.

Para entender melhor como contribuir para a melhora do comportamento e da qualidade de vida daqueles que vivem no espectro autista, conversamos com a professora e pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Suzana Faleiro Barroso.

Suzana é psicanalista, Doutora em Teoria Psicanalista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Coordenadora do Curso de Pós-graduação “Abordagem Psicanalítica do Autismo e Conexões“, IEC PUC Minas, que está com inscrições abertas até a próxima sexta-feira, dia 2 de agosto.

Minas Faz Ciência: Professora Suzana, como você avalia esses movimentos midiáticos em torno do tema do autismo e suas supostas curas?

Suzana Faleiro Barroso: Acho interessante o movimento de abrir o debate sobre esse tema e a mídia pode colaborar para informar o público interessado.

Mas sabemos que há circuitos das redes sociais em que circulam falsas promessas, tais como essas advindas do uso do MMS. Muitas pessoas, tomadas pela expectativa de “cura”, aderem a isso.

É preciso interrogar que concepção de autismo está sendo transmitida pelos circuitos midiáticos, que, muitas vezes, têm objetivos apenas mercadológicos.

A questão é grave, visto que o uso do MMS pode acarretar riscos aos seus usuários. Por isso mesmo, acredito que seja muito importante que as instituições de formação profissional, as universidades e os conselhos das profissões envolvidas no trabalho com o autismo se manifestem sobre o tema.

Em palestra que organizei no IEC – PUC Minas em maio, com a professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Dra. Ana Maria Lopes, ficou bem elucidado que não há autorização das instâncias competentes para o uso e a comercialização desse produto, que não é um medicamento.

MFC: Há muita desinformação em relação ao conceito de “cura”, inclusive, porque autismo não é considerado uma doença, mas um transtorno. O que esse evento elucidou a respeito?

SFB: No século XXI, testemunhamos um aumento crescente do diagnóstico de autismo na infância. É consenso que este diagnóstico e o início precoce do tratamento se definem, hoje, como padrão-ouro – são muito relevantes.

Nesse sentido, uma pergunta torna-se essencial: não se trata só de diagnósticos, mas qual é a proposta de tratamento viável para crianças autistas.

Torna-se necessário um projeto único, singular para cada um. Não há um mesmo modelo de tratamento para todos. Baseado nas evidencias científicas, não existe uma medicação específica para o autismo. Prescrevem-se, para as crianças ditas autistas, medicamentos sintomáticos.

Sendo assim, ao medicar, o que se visa não é uma suposta “normalidade”. O tratamento deve respeitar o “funcionamento subjetivo singular” de cada sujeito e as tentativas de soluções por ele construídas.

A indicação de psicofármacos ocorre somente para controle de sintomas associados ao quadro, quando estes interferem negativamente na qualidade de vida.

Quando necessário, restringe-se a um pequeno grupo que manifesta comportamentos disruptivos, como irritabilidade, impulsividade, agitação, auto e ou heteroagressividade e destrutividade.

Ao medicar, é preciso considerar os riscos e os benefícios. Portanto, na ausência de sintomas que justifiquem seu uso, a criança pode e deve ser tratada sem o emprego de psicofármacos, e estas drogas poderão excepcionalmente ser administradas.

É importante alertar aos familiares sobre os tratamentos que possuem e que não possuem comprovação científica.

MFC: Por que é importante tratar o autismo como um transtorno e não como uma doença?

SFB: O uso adequado das nomenclaturas e a explicação do contexto no qual foi produzida cada uma delas revela uma concepção particular do autismo.

Nosso curso transmite a noção de que o autismo é um funcionamento subjetivo singular, um modo original de relação do sujeito com o mundo, com a linguagem, com o outro, acarretado por uma estrutura psíquica distinta.

Não é uma doença. Não é uma deficiência. Não há, portanto, como curar alguém de seu autismo.

O que não quer dizer que não possamos pensar uma abordagem do sujeito autista, a partir de suas dificuldades, impasses e angústias sempre singulares. Nossa aposta é ajudar o autista a se inserir socialmente, afetivamente, porém, sem traumatizá-lo, a partir de seu modo original de ser.

MFC: Uma reportagem do Profissão Repórter divulgou a fala de um neuropediatra que afirma que o autismo deixou de ser considerado raro. Por que hoje temos a sensação e dados que nos permitem afirmar que o autismo está mais comum na sociedade? É um fator de aumento de diagnósticos ou de aumento de ocorrências?

SFB: As estatísticas informam que há, no Brasil, dois milhões de autistas hoje, e que esse número é crescente, o que faz do autismo um problema de saúde pública.

De fato, o que temos observado, a partir de um projeto de atendimento de autistas na Clínica-Escola de Psicologia da PUC-Minas, é que esses dados requerem uma leitura, uma pesquisa e interpretação mais aprofundadas.

A noção de “espectro autista” que, mais recentemente, orienta muitas práticas de diagnóstico, é muito ampla, pouco delimitada, difusa, permitindo uma classificação de grande variedade de casos, que quando acompanhados mais de perto, não se confirmam como autistas.

É preciso avançar na diferenciação diagnóstica para confirmar esse suposto aumento dos casos.

MFC: Você tem alguns trabalhos que envolvem crianças, laços sociais e debilidade mental. Como esses temas se entrecruzam e como suas pesquisas contribuem para o avanço da discussão em torno do tema do autismo?

SFB: Sim, esses temas se entrecruzam.

Podemos dizer que o autismo, a debilidade mental e a psicose infantil são manifestações em graus distintos da perturbação do laço social, isto é, da desinserção social do sujeito, da constituição do laço social e das relações com a realidade.

Embora tenham esse ponto em comum, são modos de funcionamento subjetivo muito distintos.

No caso do autismo, a história desse conceito, a evolução da pesquisa clínica, a casuística clássica e contemporânea tem demonstrado, como ele já foi, e, muitas vezes, ainda é confundido com a debilidade ou com a psicose infantil.   

Para quem quer se especializar:

Profissionais com formação superior, desde psicólogos, psiquiatras, pedagogos, professores, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e demais profissionais da área da saúde e da educação podem se candidatar ao curso coordenado pela professora Suzana Barroso.

Mais informações no site da PUC Minas.

Verônica Soares

Jornalista de ciências, professora de comunicação, pesquisadora da divulgação científica.

Conteúdo Relacionado