Transmitida dos animais para o homem, a brucelose é considerada uma doença negligenciada. Típica de nações subdesenvolvidas, ela é objeto de desinteresse da indústria farmacêutica.
Os poucos países que conseguiram erradicá-la situam-se no Oeste e no Norte do continente europeu, além de Canadá, Japão, Austrália e Nova Zelândia.
Ainda assim, há registros de casos em pessoas que retornam de áreas endêmicas. A maior incidência ocorre na Europa mediterrânea, no Norte e no Leste da África, no Oriente Médio, nas regiões central e Sul da Ásia e na América Latina.
No Brasil, cerca de 15 mil casos da forma humana são registrados por ano. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a subnotificação em âmbito global, dada a falta de preparo para o diagnóstico.
Sintomas e transmissão
Os sintomas desta doença negligenciada se assemelham aos de outras infecções: febre, dor de cabeça, suor intenso, calafrios, dor nas articulações, perda de peso e mal-estar generalizado.
A transmissão ocorre pelo consumo de alimentos contaminados, como leite e derivados não pasteurizados ou carne mal passada. Pode, ainda, dar-se pelo contato, direto ou indireto, com animais infectados.
A doença é mais comum, justamente, entre profissionais que lidam com rebanhos, funcionários de frigoríficos e médicos veterinários, o que justifica sua classificação, pelo Ministério da Saúde, como doença ocupacional.
Nos animais, a enfermidade pode provocar infertilidade e causar prejuízos para a pecuária, uma vez que o abate sanitário é recomendado.
A brucelose bovina provocou perdas de quase R$ 1 bilhão, o equivalente a 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio, nos estados brasileiros com maior prevalência da doença, em 2013.
O levantamento foi feito por pesquisadores da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), revela o professor Renato de Lima Santos, coordenador do projeto de desenvolvimento de vacinas e de métodos diagnósticos para controle da zoonose, com financiamento da FAPEMIG.
Leia sobre esta doença negligenciada também na revista Minas Faz Ciência
O pesquisador responsável pelo estudo explica que a situação epidemiológica da brucelose é bastante heterogênea no território brasileiro.
“Em Minas Gerais, onde o programa nacional de controle, preconizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), foi implantado há vários anos, já é evidente a diminuição na ocorrência da doença. Em outros estados, porém, a prevalência é elevada, e pode atingir uma em cada duas fazendas em certas microrregiões”, compara.
Desde 2001, o programa do Mapa determina a vacinação de todas as fêmeas das espécies bovinas e bubalinas (de búfalos), na faixa etária dos três aos oito meses.
A imunização é feita com dose única da vacina viva atenuada B19, que pode ser substituída pela vacina RB51, na espécie bovina. Ambas podem produzir efeitos indesejáveis, como o aborto em vacas gestantes e a interferência nos métodos usuais de diagnóstico da doença.
Além disso, a cepa vacinal pode infectar o homem, principalmente, se houver manipulação inadequada durante a aplicação nos animais – justamente, uma das principais causas de contaminação.
A pesquisa em andamento na Escola de Veterinária da UFMG busca desenvolver vacinas que ofereçam proteção aos animais e, simultaneamente, eliminem tais inconvenientes.
Nova vacina para a brucelose bovina
“Desenvolvemos uma cepa vacinal por meio do uso da Brucella ovis, que causa a doença em carneiros, mas não no homem. Nos ovinos, a vacina produz imunidade estéril, ou seja, previne a enfermidade, e, também, a infecção e a disseminação da bactéria de campo”, descreve Renato Santos.
A ideia é vacinar o bovino com a cepa e, no sistema imunológico do animal, estimular alterações que levem ao desenvolvimento da imunidade contra a Brucella abortus, agente da brucelose bovina, que causa a doença no homem.
Quanto ao diagnóstico, os atuais métodos empregados – principalmente, sorológicos – não permitem a diferenciação da bactéria causadora da enfermidade.
“Nosso projeto visa identificar indutores da produção de anticorpos que sejam específicos de cada espécie de Brucella. Tal diferenciação é importante, pois há marcantes distinções na capacidade de causar a doença no homem”, descreve o coordenador do projeto.
O pesquisador da UFMG orienta o consumidor de alimentos de origem animal a adquirir apenas aqueles que tenham passado por inspeção das autoridades sanitárias.
“Produtos oriundos de leite pasteurizado ou de propriedades com situação sanitária conhecida e atestada são seguros para o consumo. Por outro lado, a ingestão de leite ou derivados sem controle pode representar risco à saúde”, alerta.