A resposta é sim. Pode parecer senso comum dizer que música relaxa e acalma, mas pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) provaram com evidências científicas que música auxilia a reduzir ansiedade em tratamentos de Odontopediatria. E não estamos falando daquele sonzinho ambiente na sala de espera, é mais que isso. É fone de ouvido enquanto a meninada é atendida no consultório.
“O uso da música que propusemos não é muito comum. Não é aquela se coloca para tornar o ambiente mais agradável e confortável, antes de iniciar a consulta. O que a gente buscou foi inédito, por isso a parceria entre Odontologia, Fonoaudiologia, Neurociência e Psicologia”, explica a professora Júnia Serra-Negra. A pesquisa é resultado do trabalho de mestrado da orientanda dela, Marcela de Oliveira Brant, em parceria com pesquisadores de outros departamentos.
O que as cientistas pretendem mudar é o cenário de medo de dentista muito comum entre adultos e crianças. “Outra pesquisa nossa apontou que até estudantes de odontologia têm medo de dentista. Ao todo, 27% apontaram o temor muito associado à experiência negativa na infância”, afirma a professora.
As pesquisas em Odontologia buscam trazer mais conforto aos pacientes em consultórios. A cientista ressalta também a importância do cuidado com a saúde bucal das famílias que leva as pessoas preventivamente ao dentista, o que ajuda muito.
“Quando a pessoa tem medo ou teve experiência ruim, fica prorrogando a ida ao consultório. Só procura ajuda em situações de dor, em que são necessárias cirurgias ou extrações, procedimentos mais invasivos que podem criar um ciclo de medo. Fiz um levantamento em nossa Clínica Geral da UFMG e percebi que há pacientes que vão ao dentista tardiamente, pela primeira vez aos 13 anos, quando já trocou todos os dentes de leite pelos permanentes”, detalha.
Ensaios clínicos
De acordo Júnia Serra-Negra, o objetivo da pesquisa com crianças era comprovar numericamente que a música relaxa e ajuda a reduzir ansiedade. “Quando a gente está como medo, o cérebro ativa o sistema límbico, com reações de fuga, coração acelerado, suor frio e respiração ofegante”. Era necessário mensurar essas sensações.
As pesquisadoras fizeram um ensaio clinico com 34 crianças, entre 4 e 6 anos, de Brumadinho e Confins, na Grande BH. O grupo nunca tinham ido ao dentista, escolha feita justamente para eliminar interferências anteriores. “Pensamos: Quem sabe a gente coloca fone de ouvido nas crianças para ajudar?”, conta a professora.
Foram usados fones de almofada e, em parceria com a Fonoaudiologia, medidas a altura do som e capacidade auditiva para não ultrapassar o volume sensato e nem atrapalhar a comunicação entre dentista e criança. “A ideia não é isolar o paciente”, diz Júnia Serra-Negra. Os procedimentos foram realizados ao som da sinfonia nº 40, de W.A. Mozart.
Antes de iniciar o atendimento, as pesquisadoras mediram a personalidade das crianças com a ajuda da equipe de Psicologia. “Mensuramos aquilo que a criança tem em seu interior, como ela agiria em um contexto diferente do consultório do dentista”, afirma.
Durante o atendimento, os pacientes mirins foram monitorados com oxímetro de dedo, aparelhos que mede frequência cardíaca e saturação de oxigênio. O aparelho era usado em três momentos: chegada ao consultório, no uso do famoso e barulhento motorzinho do dentista e ao final do atendimento.
Ao todo, as crianças participaram de três sessões. O mesmo paciente foi atendido com música e sem música para que fosse possível cruzar dados e não ocorrer interferências naturais pela diferentes entre as crianças.
Música: simples, barata e agradável
As medidas feitas no ensaio clínico foram associadas com a personalidade das crianças e comprovou-se que a música foi capaz de tranquilizar a meninada. “O efeito mais significativo foi em crianças com baixa extroversão ou tímicas. Elas comumente têm dificuldades de expressar emoção e vimos muita diferença com o uso da música”.
Como as crianças nunca tinham ido ao dentista, e enfrentaram uma situação nova, os protocolos de atendimento foram fundamentais. As dentistas apresentam o consultório, mostraram como funciona, contaram que ali tem barulho e criaram um ambiente com estratégias comuns dentro da Odontopedriatria.
“Vimos que o coração das crianças estava mais acelerado e a respiração ofegante só de ver o ambiente. Na hora do motor, isso é muito significativo porque o barulho é ruim. Com a música, ficaram menos agitados”, conclui Júnia Serra-Negra.
Conforme a pesquisadora, a música é uma solução simples, barata e, agora, embasada com evidências científicas. A canção usada no ensaio clínico foi padronizada para criar uma metodologia de pesquisa confiável.
“Não deixamos as crianças escolherem por gosto pessoal porque buscamos suporte na Neurociência, que já testou as músicas clássicas e comprovou a atuação positiva delas no cérebro por causa da frequência que emitem”, ressalta. Ademais, a música escolhida é universal e pesquisadores de qualquer lugar do mundo podem repetir a experiência.
“Perguntamos para as crianças já tinham escutado aquele som e se gostaram de ouvir. A maioria não conhecia e somente uma disse que não gostou dos violinos”, conta a pesquisadora.
Ciência e multidisciplinariedade
Com a pesquisa, ficou confirmada a importância de técnicas de distração durante o atendimento odontopediátrico. “O que existe na literatura a respeito dessas técnicas precisa de métodos de mensuração melhores. Por isso, foi fantástico trabalhar com equipe multidisciplinar”. O artigo The reassuring role of music associated with the personality traits of children during dental care: a randomized clinical trial, que relata o estudo, foi publicado pela European Archives of Paediatric Dentistry.
A Neurociência foi importante para escolha da música. A Fonoaudiologia, para medir a altura do fone de ouvido. A Psicologia, por sua vez, auxiliou no estudo de personalidade. Nesse primeiro momento, os ensaios foram feitos com crianças que se mostraram muito colaborativas porque nunca tinham experimentado o ambiente do consultório.
Os próximos trabalhos devem contemplar crianças com vivências negativas no dentista. Será uma pesquisa em parceira com a Universidade de Goiás que tem estudos sobre o aumento de cortisol na saliva – hormônio que aponta presença de estresse – durante o atendimento. Há evidências de que crianças, mesmo sedadas, têm aumento do cortisol quando é necessário o uso do motorzinho do dentista.