Pesquisa da Funed indica potencial antimicrobiano de mel de aroeira do Norte de Minas
Um estudo de bioprospecção de mel do Norte de Minas avaliou seu potencial da atividade microbiana e indicou possibilidades de uso em tratamentos de doenças do trato gastro-intestinal.
O mel de aroeira, como é conhecido, é produzido por abelhas Apis mellifera.
A partir da pesquisa, pode vir a ser utilizado como coadjuvante no tratamento de algumas doenças, de acordo com a microbiologista Fabiana Ribeiro Viana, da Fundação Ezequiel Dias (Funed).
[infobox title=’Mel de aroeira’]O mel de aroeira é um tipo de mel de abelha Apis mellifera muito característico da região do Norte de Minas. Ele leva este nome porque as abelhas retiram os recursos para a produção desse mel da Myracrodruon urundeuva, um tipo de aroeira.[/infobox]
Em conversa com a equipe do projeto Minas Faz Ciência, Fabiana Viana explicou o que é a bioprospecção:
“Consiste no estudo do potencial de exploração da biodiversidade de uma determinada região, com o intuito de melhor compreender os recursos disponíveis ou o valor comercial da biodiversidade“.
Segundo a pesquisadora, já havia um conhecimento tradicional associado ao uso do mel de aroeira dentre moradores da região.
“Mas ainda eram necessários estudos que comprovassem a eficácia desse tipo de atividade antimicrobiana“, comenta.
A partir de testes in vitro, foi identificado o potencial bactericida do mel de aroeira em bactérias.
Os benefícios estariam associados a doenças de pele e infecções gastro-intestinais ou do trato urinário, e também em casos de infecção hospitalar, em que as bactérias são muito resistentes a antibióticos.
“O uso do mel seria uma alternativa a este tipo de tratamento mais tradicional, inclusive com bactérias de cepas muito virulentas que podem causar câncer gástrico”, sinaliza a pesquisadora.
Potencial de desenvolvimento de produtos
Embora a atividade microbiana tenha sido identificada com redução da carga em ensaios in vitro, inibição e até a morte do microorganismo, novos estudos ainda são necessários para desenvolver medicamentos e produtos à base do mel de aroeira.
A ingestão do mel pode trazer benefícios para o tratamento de infecções, mas a pesquisadora indica que seria preciso realizar mais testes in vivo, ou seja, observar o efeito em um modelo biológico, como em animais ou células, que se aproximem ao máximo do organismo humano.
Com isso, seria possível ver até que ponto o consumo ou uso do mel para esses fins seria eficiente.
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[quote align=’right’]”Não se trata apenas de avaliar os benefícios da ingestão do mel, mas também o potencial de desenvolvimento de medicamentos, como cremes e bioprodutos, tendo o mel como princípio ativo“, conta Fabiana.[/quote]
Na literatura, já é sabido que o mel tem muitas propriedades cicatrizantes.
Há relatos de tratamentos de queimaduras e de pacientes hospitalizados com escaras, por exemplo.
“A ideia é iniciar um novo projeto para que, com o avanço da pesquisa, possamos indicar o desenvolvimento de bioprodutos para ingestão ou na forma de cremes. São questões em aberto”, conclui Fabiana.
Valorização e preservação regional
A pesquisa sobre o mel do Norte de Minas tem perfil interdisciplinar e contou com a participação de pesquisadores da área de botânica, com foco na interação das abelhas com a planta e o meio ambiente.
A pesquisadora Paula de Souza São-Thiago Calaça, por exemplo, dedicou-se ao estudo dos aspectos botânicos da flor que dá origem ao mel:
“Por que o mel tem essas características? É porque ele vem de uma planta específica. Dependendo da origem botânica de cada mel, ele vai ter uma determinada propriedade físico-química”, explica.
Aspectos microscópicos e físico-químicos foram analisados para criar uma identidade do mel de aroeira, o que resultou em em um processo de atribuição geográfica ao produto.
“O processo está em andamento, é um pedido de indicação geográfica concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), com subsídios científicos”, detalha a pesquisadora.
Especificidades do mel de aroeira
Paula Calaça explica que o mel de aroeira só tem as propriedades identificadas por Fabiana Viana porque é produzido a partir de uma planta específica, em uma região específica do Norte de Minas.
“Essa planta é característica de ambientes que a gente chama, tecnicamente, de xéricos, que passam por estresse hídrico, ou seja, período de seca muito grande ao longo do ano – a famosa caatinga, que se estende para o norte do país”, detalha Paula.
A aroeira forma densas populações nesse ambiente da caatinga e floresce durante a estação seca.
Este é um diferencial ecológico da planta, porque na estação seca existem menos recursos disponíveis.
“Se você pegar, por exemplo, a atividade pecuária que é desenvolvida na região, ela sofre muito durante a seca, porque aquele gado não tem água. Mas a apicultura floresce nessa época”, conta Paula.
O trabalho de pesquisa quantificou e caracterizou como, quanto e quando as abelhas visitam a aroeira Myracrodruon urundeuva para coletar o néctar das flores, e chegou a conclusões valiosas:
“Essa planta é muito especial porque ela é uma planta que tem “sexos” separados, ou seja, ela tem árvore fêmea e árvore macho. As abelhas Apis mellifera vão, basicamente, nos machos. Existem muitos indicativos dessa origem botânica que podem ser percebidos através dos grãos de pólen presentes nesse mel”.
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O estudo foi realizado a partir da análise polínica de cerca de 190 amostras de mel coletadas naquela região.
“A gente conseguiu ver que existia um padrão daquelas amostras que são “puras”, exclusivamente ou majoritariamente de aroeira. Com isso, também desenvolvemos uma nova ferramenta de análise microscópica desse mel, como uma caracterização desse produto”, detalha Paula.
Ganhos socioeconômicos para a região
Além de avaliar a atividade antimicrobiana e desenvolver uma caracterização do mel, a pesquisa também buscou indicar o potencial econômico da exploração comercial para beneficiar a região.
A apicultura é uma importante fonte de recursos financeiros para famílias.
[quote align=’right’]”Uma pesquisa que caracteriza esse produto implica em ganhos para a sociedade e, principalmente, para a região, pois agrega valor econômico e social à produção do mel”, destaca Fabiana Viana.[/quote]
Paula Calaça explica que, assim como conseguiram desenvolver esse trabalho com o mel de aroeira, caracterizar o produto e enriquecer seu valor, outros produtos nacionais podem ser beneficiados com pesquisas semelhantes.
“O mel de aroeira já foi um produto que era descartado, porque é um mel mais escuro, diferente de um mel tradicional. E existem muitos outros produtos e tipos de mel que nós, como cientistas, poderíamos contribuir para a caracterização e para agregar valor. Por isso é importante investir em pesquisas”, destaca Paula.
Apicultura fomenta a preservação
Uma das consequências dos estudos de caracterização do mel, além da valorização socioeconômica do produto, é a preservação da área, da vegetação e das abelhas:
“Isso tudo é um ciclo que pode ser melhor compreendido e preservado pela população e por governantes se todos entenderem como as coisas estão interligadas“, defende a Paula Calaça.
O estado de Minas Gerais tem potencial, em outras regiões, para que pesquisas equivalentes sejam desenvolvidas, com metodologias semelhantes.
“Há um universo enorme de abelhas que produzem diferentes tipos de mel, e gente ainda não conhece todas as propriedades e o manejo dessas espécies. Existe, por exemplo, o mel de aroeira de abelhas nativas da região. Por que não torná-lo também um produto tão valorizado quanto o da abelha africana, que é a que a gente já conhece, com um manejo já bem estabelecido?”, propõe a pesquisadora.
Segundo Paula, um dos aspectos mais incríveis da pesquisa é a associação da apicultura com o fomento à preservação:
“Antes, você tinha uma vegetação que poderia ser suprimida para fazer pasto. Mas, hoje, você tem uma vegetação que é valorizada, que é cuidada, para produzir o mel”.
Outro aspecto de destaque é a característica de um mel monofloral de uma vegetação natural, como é o caso do mel de aroeira – que tem nessa árvore a fonte majoritária de néctar.
Essa característica é muito rara em regiões tropicais, principalmente em uma região que tem índices de desenvolvimento humano baixos
“É como se fosse um tesouro, cada vez mais valorizado em função das pesquisas realizadas ali”, conclui Paula.
O estudo foi desenvolvido por pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias (Funed), com recursos parciais da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas (FAPEMIG). A pesquisa também contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Banco do Nordeste, da Codevasf e da Emater.
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