Segundo o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), em 2017 foram reconhecidos 587 refugiados no Brasil. Outros 86.007 ainda esperam ser reconhecidos. Violência, coerção e violação de direitos humanos historicamente criam movimentos migratórios. Hoje, venezuelanos, sírios, haitianos, congoleses e palestinos representam os mais expressivos fluxos de entrada de imigrantes deslocados forçados no país.
“Há os casos de migração motivadas por estudos, relacionamentos ou passeio. Por outro lado, há o que nós pesquisadores chamamos de Migração de Crise ou Imigrantes Deslocados Forçados”, explica Eric Júnior Costa, coordenador do Grupo de Estudos Migratórios (Gemalp), do Cefet-MG. São solicitantes de asilo político, refugiados, portadores de visto humanitário e apátridas.
O Gemalp surgiu em agosto de 2018, com uma proposta inovadora em Minas Gerais. “Há carência de pesquisas sobre a relação entre a Linguagem, os Direitos Humanos e a Imigração”, diz Costa. O grupo tem como objetivo levantar informações técnicas e práticas sobre temas relacionados à imigração e em especial às políticas linguísticas.
Confira, no Ondas da Ciência:
Ser imigrante no Brasil
“Diferentemente do que se diz no Brasil, os solicitantes não recebem o documento de refúgio logo na entrada ao Brasil“, esclarece Eric Costa. Imigrantes deslocados forçados precisam preencher formulários do Conare e justificar os pedidos. O processo pode demorar até alguns anos. Em Minas Gerais, foram feitas 237 solicitações de refúgio em 2017. O perfil desses imigrantes é:
- majoritariamente de homens;
- residentes em Belo Horizonte ou região metropolitana;
- solteiros;
- maioria vem da Síria, de Guiné-Bissau e de Cuba.
“Embora a lei de migração em vigor (Lei 13.445/2017) seja apontada pelo Direito Internacional como avançada e moderna, na prática os imigrantes encontram muitas dificuldades“, afirma Costa. O pesquisador lembra que os problemas começam logo no atendimento na Polícia Federal, muitas vezes feito em português. “Há dificuldade de participar do sistema de saúde e educação. Um grande obstáculo é o reconhecimento dos títulos dos países de origem. Muitos refugiados são médicos, advogados e engenheiros e que não conseguem trabalhar e nem estudar nas suas áreas aqui no Brasil”, diz.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Ministério da Justiça indicam que as principais dificuldades dos imigrantes são idioma e conseguir trabalho, documentação e acesso a serviços.
Português como língua de acolhimento
Os direitos dos imigrantes deslocados forçados são amparados por diversos instrumentos legais. É o caso da Carta das Nações Unidas, de 1945, da Declaração de Cartagena, de 1984, e das Leis 9.474/1997 (Lei do Refugiado) e 13.445/2017 (Lei de Migração). Países que recebem essas pessoas devem garantir o respeito universal aos direitos humanos e às liberdades fundamentais de todos. E um dos direitos fundamentais a ser assegurado é a aprendizagem da língua do país de acolhimento. Leia mais.
Proficiência em língua portuguesa torna-se fundamental para que os imigrantes exerçam a cidadania no país. “É por meio da língua que o refugiado realizada tudo aqui no Brasil, desde preencher os formulários para qualquer documentação, como solicitar um CPF ou a carteirinha do SUS. É importante para a compra e venda no comércio, para estudos em escolas ou faculdades, entre diversos outras atividades”, exemplifica Eric Costa.
Para o pesquisador, o ensino do idioma para esse público deve passar pela estrutura da língua, mas focar nas necessidades imediatas do aluno. Outra preocupação é com a inclusão, nos projetos pedagógicos, da diversidade linguística e cultural de todos os estudantes.
No Cefet-MG, o Grupo de Estudos Migratórios é responsável pela execução do projeto de extensão Português como Língua de Acolhimento. Já participaram do projeto mais de 200 imigrantes. Atualmente, 110 alunos estão inscritos para os cursos de 2019. A maior parte do grupo é composta por mulheres.
Mulher e imigrante
“Fazemos o acolhimento linguístico a todas elas, criamos espaços de diálogo sobre a temática das mulheres migrantes e oferecemos palestras sobre o SUS e sobre os Direitos Humanos”, conta Costa. O Gemalp tem ainda parceria com o Coletivo das Mulheres Migrantes – Cio da Terra.
Doutorandas pesquisam especificamente sobre as mulheres migrantes. “A intenção para esse ano é criar espaços específicos para o diálogo entre as pesquisadoras e as alunas, um lugar de interação e fortalecimento das redes das mulheres migrantes. Acreditamos no potencial das mulheres migrantes em conjunto com as brasileiras que abraçaram a questão”, diz o coordenador do grupo.
Costa explica que pontos comuns entre mulheres brasileiras e migrantes são agravadas entre as últimas: o racismo, a xenofobia e o machismo. “Muitas mulheres, pelo fato de em sua cultura não denunciarem ou procurarem auxílio em caso de violência, acreditam que aqui é igual. Elas carregam consigo suas histórias de violências sexuais e casamentos forçados em seus países, e precisam de apoio psicossocial aqui”, explica.