O governo brasileiro tem buscado flexibilizar o uso de agrotóxicos no país desde o final do ano passado. Esse processo resultou na liberação do registro de agrotóxicos com alto grau de toxicidade, no último dia 10.
Entre os produtos liberados para comercialização, está o Sulfoxaflor que ficou conhecido nos Estados Unidos por exterminar populações de abelhas. Como já era esperado, a medida gerou críticas da comunidade científica e da população em geral.
Na semana seguinte, a Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura publicou lista com mais de 131 pedidos de registros de agrotóxicos solicitados ainda em 2018. Esses pedidos deverão passar por avaliações técnicas do governo antes de serem liberados.
Não é de hoje que pesquisadores brasileiros buscam identificar os impactos dos agrotóxicos para o meio ambiente e na saúde da população. Os riscos diretos que a exposição às essas substâncias gera na população já são bastante conhecidos pela comunidade científica. Entretanto, pouco se sabe sobre os impactos indiretos dessa exposição.
Impactos indiretos dos agrotóxicos
Com o intuito de investigar quais são esses efeitos indiretos, Rafael Bastos, doutor em microbiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisou em seu doutorado as influências de antifúngicos usados para tratar doenças de plantas nos fungos que causam doenças em humanos e que vivem no ambiente.
” Nós sabemos que existem fungos que causam problemas em humanos e animais. Por exemplo, micoses, meningite, entre outros. No mundo inteiro, cerca de 1,5 milhão de pessoas morrem por causa desse tipo de infecção. Isso acontece porque há poucos medicamentos para tratar as doenças causadas por fungos. Além disso, as poucas drogas que existem, não são eficientes, pois os fungos se tornaram resistentes aos medicamentos”, explica.
A ideia do estudo foi, portanto, tentar compreender o porquê e como os fungos podem se tornar resistentes aos antifúngicos. Para isso, o pesquisador partiu da hipótese de que o contato com agrotóxicos poderia fazer com que esses micro-organismos adquirissem resistência aos antifúngicos ainda no ambiente.
Durante o estudo, Bastos expôs os fungos aos agrotóxicos até o máximo que eles conseguiram aguentar. Posteriormente, o cientista averiguou se esses fungos tinham ou não se tornado mais resistentes aos medicamentos.
“Vimos que uma parcela de fungos de Cryptococcus (gênero estudado pelo pesquisador) se tornava mais resistente. Mesmo depois que retiramos os fungos do contato com o agrotóxicos, depois de 10 meses, eles continuaram resistentes aos antifúngicos clínicos. A conclusão é que o agrotóxico induziu uma mutação do DNA do fungo e fizesse que ele fosse permanentemente resistente”, afirma Bastos
Pesquisa necessária
A pesquisa realizada por meio de uma parceria entre o Departamento de Micologia na UFMG e do Instituto Pasteur, em Paris, também mostrou que nem todos os agrotóxicos aos quais os fungos foram expostos alteraram a resistência das espécies aos antifúngicos clínicos. Por isso, Rafael Bastos avalia a necessidade de realização de pesquisas sobre a toxicidade e os impactos diretos e indiretos causados pelos agrotóxicos.
“As pesquisas devem ser constantes. Ainda tem muita coisa que não sabemos sobre os agrotóxicos. Esse meu estudo, por exemplo, é recente. Até então não sabíamos desses impactos indiretos que os agrotóxicos podem causar. É preciso avaliar a toxicidade antes da liberação. Entretanto, liberar agrotóxicos com mais toxicidade, como vem sendo feito, vai na contramão do que estamos vendo no resto do mundo”, finaliza.