Pesquisadores e arqueólogos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estão unidos no estudo da doutoranda Vanúzia Amaral para fazer a interpretação dos costumes e modo de vida dos moradores de Belo Horizonte a partir do lixo acumulado há mais de 40 anos. Eles pretendem analisar as bacias do antigo aterro sanitário da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), localizado na rodovia BR-040, divisa com Contagem, e que esteve ativo entre 1975 e 2007.
Antes de chegarem às escavações, os pesquisadores percorreram caminhos e “embrenharam” em matas do Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, no Bairro Horto, na capital, onde descobriram, de forma inusitada (por funcionários da jardinagem), que a cidade usava o local como um depósito de lixo entre as décadas de 1930 e 1960.
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Lá, em uma clareira, os arqueólogos encontraram diversos tipos de vidros, louças e cerâmicas datadas das primeiras décadas de Belo Horizonte. Os materiais tinham diversas espessuras, mas o que despertou a curiosidade dos pesquisadores era o fato de a grande maioria das louças serem brancas e algumas terem origem no Rio de Janeiro.
Os vidros foram encontrados em todos formatos e tamanhos e serviam para conter materiais e medicamentos que hoje usam plástico como recipiente. Alguns utensílios, como mamadeiras, tinteiros, pentes de bolso, frascos de leite de magnésio, água oxigenada e seringas também foram achados em vidro.
Além disso, algumas peças de cerâmica evidenciavam atores sociais pouco registrados na história, que são crianças. Segundo Maria Jacqueline Rodet, a cor branca das louças demonstrava o período higienista em que a cidade foi fundada.
“Diferente de Ouro Preto, Belo Horizonte pretendia ser limpa, organizada e planejada. Como o branco é uma cor padrão para limpeza, na qual se pode detectar sujeiras de longe, foi muito usado à época”, diz Rodet.
O comportamento também se assemelhava com o de povos do interior de Minas Gerais, que usavam penicos, por exemplo. Destaca-se também as garrafas de bebidas, como Coca-Cola, a qual passou a ser presente nas décadas de 1950 e 1960.
Contudo, estes pequenos depósitos espalhados pela capital, como o Parque Jacques Costeau (Região Oeste), o Gameleira, a região da Mata da Baleia e o Horto foram desativados após a tragédia ocorrida no “Lixão do Morro das Pedras”, entre 1972 e 1973, em que várias pessoas morreram.
A criação da SLU e o aterro da rodovia BR-040
A partir da necessidade de centralizar o descarte de resíduos longe da cidade, a Prefeitura criou a SLU em 1974 e o aterro sanitário da BR-040 no local da antiga Fazenda Coqueiros. Ali, nos primeiros anos, Belo Horizonte despejava cerca de 250 toneladas por dia.
De acordo com Vanúzia Amaral, até o momento da desativação deste aterro unificado, em 2007, eram recebidas, apenas de lixo doméstico, 2000 toneladas de resíduos. Entretanto, deve-se considerar a proporção de cobertura da SLU à época, que era bem menor que a de hoje – a qual se aproxima de 98%.
A tese de doutorado de Vanúzia aborda os anos entre 1975 e 2007 – período de funcionamento do aterro. Na primeira etapa do estudo, os pesquisadores escavaram, em abril de 2018, a bacia da década compreendida entre 1975 e 1985 e retiraram 1,5 tonelada de materiais.
As amostras foram lavadas, secadas, separadas por tipo e analisadas. Em resultados preliminares, Vanúzia destaca que o hábito do belo-horizontino mudou muito rapidamente entre o fim da década de 1960 e o início da década de 1970.
O plástico, que era raro nos outros pequenos depósitos espalhados pela cidade, agora era predominante. Embalagens de todos tipos foram encontradas e a quantidade de marcas apontava padrões de consumo.
Leites e margarinas apresentaram poucas marcas nas amostras. Assim como o vidro foi encontrado em espessuras menores do que no depósito do Bairro Horto, os frascos agora eram menos.
Os metais, apesar da indústria de base já estar estabelecida no Brasil, eram ferrosos e não foram encontrados alumínios e nem recipientes de aço. As latas de cerveja, óleo e outros produtos eram feitas de ferro.
Todavia, o que intrigou os pesquisadores foi a durabilidade de materiais, considerados até então, de rápida degradação. Jornais, medicamentos e alimentos, como um bife, foram achados nas amostras, o que, segundo Vanúzia, acende o alerta para a forma como consumimos e descartamos o que consideramos inofensivo para a natureza.
São previstas três novas escavações, que servirão para estudarem as décadas de 1980, 1920 e 2000. Desde 2007, o aterro da rodovia BR-040 está desativado e tem, atualmente, 12 bairros no entorno. O lixo da cidade de Belo Horizonte é destinado, hoje, ao aterro de Macaúbas, em Sabará.