Imagine reunir dois dos mais importantes pensadores do século XX, Chomsky e Foucault, para que pudessem “prosear” à vontade.
Tal encontro não apenas ocorreu, como os resultados da profícua conversa acabaram por se transformar em livro.
Para saber mais sobre tal história, voltemos, pois, ao ano de 1971, quando, a convite do filósofo holandês Fons Elders, os intelectuais Noam Chomsky e Michel Foucault postam-se, face a face, para discutir a complexa questão: “existe uma natureza humana ‘inata’ que independe de nossas experiências e influências externas?”
As respostas de ambos, estimuladas e mediadas, com sabedoria, por Elders, podem ser conferidas em Natureza humana – Justiça vs. Poder, publicado, em 2014, pela WMF Martins Fontes.
Na obra, para além do debate em torno da temática proposta, pode-se entrar em contato com elementos, princípios e ilações de tudo aquilo que viria a embasar as estruturas conceituais das teorias e do pensamento de Chomsky e Foucault.
Dentre as abordagens suscitadas durante a “prosa intelectual”, destaque para o riquíssimo “choque de paradigmas e ideias”, assim como para os “conflitos” socioculturais problematizados – da história à criatividade, da liberdade à luta política.
Leia um trecho:
“Chomsky: […] Toda pessoa que se interessa pelo estudo de línguas depara com um problema empírico bem definido. Ela depara com um organismo, digamos, um organismo maduro, adulto, falante, que, de alguma forma, adquiriu uma fantástica gama de habilidades que lhe permitem, especialmente, se fazer entender, compreender o que as pessoas lhe dizem, e fazer isso de uma forma que penso, podemos chamar de altamente criativa… ou seja, muito daquilo que uma pessoa diz numa comunicação normal como os ouros é novo, muito do que se ouve é original, não tem a menor semelhança com nada que você já experimentou; não se trata, certamente, de um comportamento novo, aleatório, e sim de um comportamento que é – num sentido que é muito difícil de caracterizar – adequado às situações. E, de fato, tem muitas das características daquilo que eu acho que podemos muito bem chamar de criatividade.”
Em diálogo…
“Foucault: […] É verdade que tenho certa desconfiança da noção de natureza humana. Pela seguinte razão: acredito que nem todos os conceitos e noções que uma ciência pode utilizar têm o mesmo grau de elaboração e que, em geral, eles não têm nem a mesma função nem podem ser usados da mesma forma no discurso científico. Tomemos o exemplo da biologia. Encontraremos nela conceitos que têm a função de classificar, conceitos que têm a função de diferenciar e conceitos que têm a função de analisar. Alguns deles nos possibilitam caracterizar objetos, por exemplo, o do ‘tecido’; outros, isolar elementos, como o do ‘traço hereditário’; outros, a estabelecer relações, como a do ‘reflexo’. Ao mesmo tempo, existem elementos que desempenham um papel no discurso e nas regras internas do exercício do raciocínio. Mas existem também noções ‘periféricas’, aquelas por meio das quais a prática científica se dá a conhecer, se diferencia com relação a outras práticas, delimita seu domínio de objetos e indica o que para ela é o conjunto de suas futuras tarefas. Durante determinado período, a noção de vida desempenhou, até certo ponto, esse papel na biologia.”
Ficha técnica:
Livro: Natureza humana – Justiça vs. Poder – O debate entre Chomsky e Foucault
Autor: Noam Chomsky e Michel Foucault
Editora: WMF Martins Fontes
Edição: Fons Elders
Tradução: Fernando Santos
Páginas: 86
Ano: 2014