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Índios Xavante representam linhagens mapeadas. Foto: Fabrício Santos / Arquivo do Pesquisador

Estudos em genética têm ajudado pesquisadores a definir a datação e cenário da ocupação pré-colombiana do continente americano. Recentemente, foi publicado na revista Current Biology, a pesquisa de cientistas do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que estima a data-limite da separação entre nativos americanos e siberianos em 19.500 anos.

É crescente o consenso entre pesquisadores de que a América foi um dos últimos continentes habitados por seres humanos, entre 15 e 25 mil anos atrás. O estudo dos pesquisadores da UFMG traz mais precisão para essas datas, por meio da análise genômica do cromossomo Y, conhecido por ser determinante do sexo masculino em humanos. O artigo é assinado pelo mestrando Thomaz Pinotti e o orientador, professor Fabrício Santos, além de colaboradores do Reino Unido, Alemanha, Peru, Equador e Bolívia.

O objetivo da investigação foi entender melhor o caminho dos primeiros ocupantes humanos da América desde a Ásia. Há evidências de que essa população não veio diretamente, mas teria permanecido na Beríngia (ao redor do atual Estreito de Bering), uma “ponte de terra” que existiu entre o nordeste da Ásia e o Alasca.

Como essa porção de terra está hoje debaixo d’água, há poucos vestígios arqueológicos para calibrar o tempo de ocupação. De acordo com os pesquisadores, há debates no meio científico sobre quanto tempo essa população ficou ali, até se deslocar para as Américas. Os dados existentes não ofereciam um período preciso, mas com a análise do cromossomo Y, foi possível definir o limite de 4.600 anos.

Análises

Os cientistas avaliaram as sequências de 222 cromossomos Y, de DNA antigo e moderno, da literatura e 24 sequências inéditas de cromossomo Y. Os dados foram analisados por Thomaz Pinotti em parceria com o Wellcome Sanger Institute de Cambridge, um dos principais centros genômicos da Europa. O grupo usou genomas completos de DNA antigo extraído de esqueletos escavados em diversos sítios arqueológicos da América do Sul e do Norte.

As sequências inéditas permitiram a geração de dados de pesquisa mais precisos, que possibilitou aos pesquisadores propor um modelo muito detalhado de ocupação das Américas. Esse modelo envolve uma ocupação rápida até a América do Sul, acompanhada de uma estruturação geográfica surpreendente.

Os dados do cromossomo Y geram os modelos, dispensando análises de virtuais em cenários computacionais e testes estatísticos. O pesquisador faz a interpretação desses dados e compara com arqueologia, climatologia, antropologia física e ecologia humana.

[infobox title=’Por que o cromossomo Y?’]

O foco no cromossomo Y se justifica por algumas características peculiares, como a exclusividade em homens e o fato de ser transmitido de pai para filho. Segundo os pesquisadores, ele sofre menos interferências ao longo do tempo, por isso, é a parte do genoma humano mais sensível a mudanças demográficas e eventos migratórios, além de ser a que melhor se correlaciona com fatores culturais e linguísticos.

Há várias formas de calcular datação e cenário da ocupação de populações antigas, lançando mão de diferentes linhas de evidências, como as utilizadas pelos arqueólogos, linguistas ou até mesmo pela genética. Mas foi a precisão fornecida pelo cromossomo Y que gerou maior exatidão. Comparando-se cromossomos Y americanos e siberianos, estimou-se a data da última separação.

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Distribuição Geográfica de Amostras. Imagem: reprodução do artigo Y Chromosome Sequences Reveal a Short Beringian
Standstill, Rapid Expansion, and early Population
structure of Native American Founders

Modelo de ocupação das Américas

Outra importante contribuição da pesquisa foi a apresentação de um modelo de ocupação das Américas pelos primeiros exploradores, com a identificação das rotas de entrada, da rápida expansão populacional e povoamento estruturado regionalmente na América do Sul.

Segundo os especialistas, no período Pleistoceno, quando o nível do mar na Beríngia estava 120 metros mais baixo, as pessoas e animais, como mamutes, mastodontes e bisões, transitavam de um lado para o outro.

Com o derretimento das geleiras e a inundação dessa ponte de terra, a população foi dividida entre os dois continentes, originando, de um lado, todas as populações indígenas das Américas, mas também deixando um rastro genético na Ásia em forma de algumas linhagens muito raras.

Os cientistas conseguiram, por exemplo, traçar linhagens de várias populações brasileiras conhecidas como Xavantes, Maxacalis, Paresís, Kayapós.

Desse povoamento inicial, os pesquisadores traçaram a ocupação até a América do Sul, propondo o modelo que engloba duas rotas anacrônicas, uma inicial e mais antiga pela costa do Pacífico e outra com o derretimento das geleiras no final do Pleistoceno.

Registros arqueológicos dão indícios de que esta rota costeira facilitou a chegada dos primeiros exploradores, guiados pela fartura de alimentos oferecida pelo Oceano Pacífico. Há estudos que indicam que esse deslocamento levou apenas dois mil anos, e os sítios arqueológicos de 14 mil anos mostram que a ocupação e a expansão foram tão rápidas que deixaram rastros genéticos na principal linhagem que se expandiu para mais de 85% dos povos nativos indígenas.

Essa rápida expansão populacional quase sem precedentes na história humana, segundo os pesquisadores, é demonstrada pelo processo da ocupação americana, marcada por grande sucesso dos novos habitantes em sobreviver e deixar descendentes.

De acordo com eles, as populações indígenas têm raízes muito profundas nos lugares onde estão localizadas na América do Sul, onde é possível visualizar que os dados genéticos apresentam grande estruturação geográfica, isto é, parentes próximos tendem a estar mais próximos geograficamente.

O artigo “Y Chromosome Sequences Reveal a Short Beringian Standstill, Rapid Expansion, and Early Population Structure of Native American Founders” publicado na Current Biology confirma e aumenta a resolução de um modelo de ocupação das Américas publicado recentemente pelo mesmo grupo de cientistas da UFMG na revista Science.

Com informações da Assessoria de Imprensa da UFMG.

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