As praças de Minas Gerais são um símbolo do Estado, um espaço público central à vida em diversas localidades, formatada por afetos, memórias e relações capazes de impactar a vida dos moradores e fomentar o desenvolvimento dos municípios.
Por isso, o desenho e a ornamentação de tais espaços tornaram-se preciosos objetos de estudo para pesquisadores interessados em compreender e documentar as dinâmicas que ali se materializam.
Conhecer e compreender a história de praças de cidades da Estrada Real permitiu à pesquisadora Patrícia Duarte de Oliveira Paiva, da Universidade Federal de Lavras (Ufla) evidenciar a evolução de tais espaços e os vários movimentos que levaram os municípios a instituí-los.
“Análise da evolução paisagística e sociocultural de praças da região da Estrada Real com ênfase em cidades históricas de Minas Gerais” é um trabalho inédito, que também colaborou com a investigação da história da arte de jardins no Brasil.
Desde 2008, Patrícia desenvolve a linha de pesquisa responsável pela análise da trajetória das praças. Para cada estudo realizado, foi possível reconstruir a história do lugar, desde seu nascimento, assim como analisar a evolução do espaço até hoje.
“É comum termos conhecimento sobre a história de uma cidade ou de personalidades que lá nasceram, mas as praças, mesmo sendo importantes espaços públicos, são muitas vezes negligenciadas. Trata-se, porém, de áreas intrinsecamente relacionadas à evolução dos municípios”, destaca a professora, ao lembrar que, até então, não existia tal tipo de estudo em muitas localidades, sobretudo naquelas que marcaram um período muito importante da história brasileira: no caso, os municípios localizados ao longo da Estrada Real.
“Os resultados contribuem para a maior valorização do contexto histórico, social e ambiental das praças das cidades históricas”, conclui.
Passo a passo
A primeira fase da pesquisa consistiu de estudo de campo em cidades mineiras, com o objetivo de identificar o significado histórico – a partir de resgates paisagísticos e culturais – das praças Carlos Gomes e Severiano Resende, em São João del-Rei, e Dr. José Esteves, em Lavras (MG), além de espaços variados em Serro.
No que diz respeito à bibliografia, realizou-se leitura de registros escritos, consulta a memoriais descritivos de projetos, relatos de viajantes, jornais, revistas e outros periódicos, assim como buscaram-se arquivos oficiais municipais, estaduais e federais.
No que se refere à iconografia, analisaram-se pinturas, fotografias e cartões-postais em museus, bibliotecas, coleções particulares e instituições responsáveis pelo patrimônio artístico, cultural e histórico de cada localidade.
A pesquisa de campo contou, também, com a realização de entrevistas com poetas, pintores, escritores, historiadores, bem como cidadãos idosos ou pessoas que conheceram antigos usuários, ou frequentaram jardins e praças no passado e no presente.
O presente das praças
Além da pesquisa de caráter histórico, foi verificado o atual estado de cada praça. Procurou-se identificar a legislação incidente sobre a área, nas instâncias municipal, estadual e federal, considerando monumentos culturais e históricos. Os especialistas também analisaram o último projeto de ajardinamento ou as propostas de reforma, para identificar plantas, equipamentos, mobiliário, obras ornamentais, pontes, estátuas, fontes, chafarizes, dentre outros itens que compõem o espaço.
“O entorno, a evolução e a preservação também foram considerados e analisados. Realizamos amplo registro fotográfico de todo o estudo, com detalhamento dos principais elementos e levantamento físico, para constituição da planta do local”, esclarece a professora.
Em relação aos estudos sobre jardins históricos, Patrícia e seu grupo de pesquisa compreenderam a necessidade de divulgação dos conhecimentos adquiridos a um público mais amplo, principalmente a pessoas que vivenciaram a evolução desses espaços, usuários das praças e visitantes – daí surgiu a já citada coleção “Praças da Estrada Real”, que atualmente, conta com 15 títulos publicados: “Ela não está finalizada porque ainda há muitas praças e histórias a serem contadas”, destaca a professora.
Resgate histórico
O levantamento das praças de Minas Gerais indica que elas tiveram origens diversificadas, desde finalidades político-militares, como a Tiradentes (Ouro Preto) e a dos Expedicionários (São João del-Rei); religiosas, a exemplo da praça da Basílica de Bom Jesus do Matosinhos (Congonhas) e Carlos Gomes (São João del-Rei); e comerciais – João Pinheiro (Serro) e Severiano Rezende (São João del-Rei). Tais espaços também foram criadas para compor áreas de grande importância e circulação de pessoas nas cidades, como é caso das “praças de estação”, como a Dr. José Esteves, em Lavras.
“Interessante observar que a religiosidade sempre esteve muito presente nessas áreas, seja pela proximidade ou pela origem junto a igrejas. Também os fatos e interesses políticos nortearam as intervenções sofridas nessas áreas, especialmente pela realização de reformas, pela introdução de monumentos, como bustos, e pelas alterações de nomes, o que chamamos de toponímia”, explica Patrícia.
No ver da professora, o grande desafio da pesquisa está nas limitações e nas dificuldades de acesso aos materiais necessários para construção da história de cada lugar. “Os registros e as memórias de nossa história são restritos. Nem sempre encontramos documentos específicos sobre as praças, projetos de ajardinamento ou indicações dos responsáveis pela elaboração e pela implantação dos jardins”, detalha. Em função disso, o estudo da evolução histórica centrou-se nas transformações morfológicas do espaço ocupado pelas praças e na representação social no inconsciente coletivo da população de cada cidade.
Preservar a memória
Para que se avance no estudo socio-histórico das praças de Minas Gerais, a preservação da memória é fundamental.
“Há, no Brasil, indicações de como proceder com a reforma de jardins históricos, o que deve ser respeitado. Alterações ou manutenções, normalmente, de responsabilidade do poder público, mas realizadas sob coordenação de paisagistas, devem considerar a história do lugar. O conhecimento sobre a origem e a evolução do espaço é fundamental para nortear as intervenções, de forma a preservar características”, conclui a professora, ao alertar para o perigo de ações que destroem e modificam os espaços públicos em nome da construção de ambientes absolutamente novos e sem história.
Leia a reportagem completa na Minas Faz Ciência n. 74: