O Dia Mundial de Luta contra a Aids, lembrado em 1º de dezembro, foi instituído há 30 anos, em 1988, como data simbólica do combate ao preconceito e ao estigma em torno da doença.
Um ano antes, em 1987, 200 mil pessoas haviam se aglomerado do lado de fora da terceira Conferência Internacional de Aids em Washington, nos Estados Unidos, para chamar a atenção da comunidade científica e do mundo para a síndrome.
[infobox title=’Aids em números’]Desde o início da epidemia, 35,4 milhões de pessoas morreram por causas relacionadas à Aids. Em 2017, havia 36,9 milhões de pessoas no mundo vivendo com HIV. No Brasil, de 1980 a junho de 2018, foram identificados 926.742 casos de Aids, um registro anual de 40 mil novos casos.[/infobox]
Nos primeiros anos após a descoberta da doença, houve um crescimento exponencial de publicações resultantes de pesquisas sobre a Aids na América Latina e no Caribe, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Paho/Opas).
A tendência se manteve até 1995, de forma menos acentuada, e chegou a um patamar estável, observado até 2011, como mostra o gráfico a seguir.
Relatório do Grupo de Trabalho de Pesquisa sobre Recursos para Prevenção do HIV alerta para a recente redução dos recursos financeiros para desenvolvimento de pesquisas sobre prevenção do HIV.
Em 2017, o financiamento diminuiu pelo quinto ano consecutivo e atingiu o nível mais baixo em mais de dez anos. A preocupação, agora, é garantir a continuidade dos avanços obtidos em pouco mais de três décadas.
Avanços
Segundo o Unaids, na última conferência bienal de Pesquisa para a Prevenção do HIV (HIV Research for Prevention – HIVR4P), realizada em outubro de 2018, em Madri, na Espanha, várias apresentações destacaram a importância da profilaxia pré-exposição (PrEP), incluindo a PrEP emitida por anel vaginal, a PrEP de longa duração, e a PrEP injetável.
A PrEP de anel vaginal oferece melhores opções de prevenção controlada pela mulher, que pode se proteger sem depender do parceiro. A PrEP injetável, por sua vez, substituiria a ingestão diária de comprimidos e o risco de esquecer o remédio.
Atualmente, o anel vaginal está sob análise para aprovação regulatória pela Agência Europeia de Medicamentos; os resultados das pesquisas sobre a PrEP de longa duração são esperados a partir de 2021.
“É inegável que tivemos avanços biomédicos, como o desenvolvimento de novas terapias antirretrovirais, novos modos de prevenção e, hoje, podemos visualizar em um futuro próximo uma vacina para a Aids, que, atualmente, é uma doença possível de se tornar crônica”.
A análise é Rafael Cerqueira Pinheiro, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (Fafich/UFMG).
Ele pesquisa como as pessoas que vivem com HIV desenvolvem práticas de cuidado, na medida em que se inserem nos serviços de saúde.
[infobox title=’Viver com HIV’]Em 2018, no Dia Mundial contra a AIDS, o Unaids faz uma campanha para que as pessoas conheçam seu estado sorológico para o HIV e sua carga viral. Em 2017, 9,4 milhões de pessoas não sabiam que eram portadoras de uma doença potencialmente letal, mas tratável.[/infobox]
Perspectiva social da Aids
Pinheiro investiga aspectos sociais, como as dimensões política e das redes de apoio envolvidas no fenômeno da Aids.
O pesquisador enfatiza que os campos biomédico e social não são opostos – eles se entrecruzam e dialogam.
“Precisamos não somente de políticas públicas que atinjam, sobretudo, as populações socialmente mais vulneráveis (como homossexuais, trabalhadores e trabalhadoras do sexo e travestis e transexuais), como precisamos, também, que essas políticas alcancem essas populações em suas especificidades. Para isso é necessário um sistema de saúde fortalecido, com recursos para ações de prevenção, novos tratamentos e para o desenvolvimento de pesquisas”, defende.
Também na Fafich/UFMG, José Henrique Pires Azevedo, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, pesquisa a visibilidade de pessoas soropositivas e a proposição de pautas sobre o HIV em quatro canais do YouTube: Falo Memo!, Gabriel Comicholi, Projeto Boa Sorte e Super Indectável.
Os temas dos vídeos são voltados para ajudar pessoas soropositivas em diversos momentos, como na descoberta do diagnóstico, na adaptação ao medicamento, na relação com a família e nas relações afetivo-sexuais.
“Hoje em dia, falar de HIV é realmente falar de experiências que precisam ser encaradas de um ponto de vista biopsicossocial, ou seja, está além de questões médicas e farmacêuticas. Nesse sentido, esses canais se constroem como um espaço que integra uma rede mais ampliada de cuidado, que não se esgota em tomar remédios diariamente”, afirma.
Para Azevedo, o fato das pessoas falarem abertamente sobre Aids, hoje, resulta de uma forte atuação política que tornou essa visibilidade possível, além de o contexto ser bem diferente do “assombro” da epidemia na década de 1980.
“Muitos tabus já foram desmistificados e alguns signos associados ao vírus já não fazem sentido. Mas muito preconceito ainda precisa ser enfrentado, por isso a necessidade de falar publicamente, para tentar criar contra-narrativas ao estigma e a discriminação”, diz.
O pesquisador observa que os youtubers fazem isso, por exemplo, ao mostrar que ter HIV não implica, necessariamente, em ter a Aids.
“Viver com HIV é uma condição de vida em que se tem um vírus no corpo mas, graças aos tratamentos, isso não significa, de forma alguma, não ser saudável”, enfatiza Azevedo.
A análise de Rafael Cerqueira Pinheiro é semelhante. “Ainda não temos a cura, mas temos medicamentos que possibilitam qualidade de vida às pessoas que vivem com HIV. Temos diferentes meios de prevenção, não só a camisinha, e temos conhecimento científico para que a discussão sobre a Aids supere o pânico moral que caracterizou a doença em seu surgimento”, afirma.