No início deste ano, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) divulgou uma estimativa da incidência da doença no Brasil para o ano de 2018. Segundo a publicação, o biênio 2018-2019 seria marcado pela ocorrência de 600 mil novos casos de câncer no Brasil para cada ano. Ainda de acordo com o Inca, com exceção do câncer de pele não-melanoma, os tipos de câncer mais frequentes serão os cânceres de próstata (68.220 casos novos) em homens e de mama (59.700 mil) em mulheres.
Diante deste cenário, a busca por tratamentos mais eficazes e menos agressivos tem sido o objetivo de pesquisadores mundo à fora. Em Minas Gerais, um grupo de pesquisadores do Departamento de Patologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), financiado pelo Instituto Serrapilheira, tem focado no estudo sobre a influência do sistema nervoso na progressão tumoral.
Coordenado por Alexander Birbrair, o estudo apresenta conceitos completamente novos na biologia dos tumores. Segundo o pesquisador, o grupo descobriu que os nervos não ocupam um papel passivo em relação à progressão do tumor, mas sim, exercem uma função proativa e maior protagonismo, como entidades essenciais dentro do microambiente tumoral que podem afetar a progressão do tumor.
Birbrair conversou com a Minas Faz Ciência e explicou como a pesquisa pode impactar diretamente nos tratamentos do câncer por meio da criação de maneiras mais especificas para a eliminação dos tumor. Confira:
O que te motivou a realizar este estudo?
Além da busca constante de conhecimento para melhorar a nossa capacidade de agir na cura de doenças, nossa principal motivação são os pacientes com câncer. Todos nós conhecemos alguém que já passou por essa doença. Mas sabemos que ela não é necessariamente fatal. Ela pode ser tratada, porém, em muitos casos, os efeitos dos tratamentos ainda são muito tóxicos para os pacientes. Infelizmente.
Qual é o objetivo da pesquisa?
Todos nós temos células com potencial de formar câncer. Então, por que somente algumas pessoas se tornam reféns desta doença? A razão disso é que as células malignas dependem do microambiente dos tecidos onde elas se encontram. O nosso grupo, na UFMG, financiado pelo Instituto Serrapilheira, estuda a função do sistema nervoso periférico, presente em todos os tecidos, durante o desenvolvimento de tumores. Nós já sabemos que o sistema nervoso controla diversas funções no nosso organismo, como, por exemplo, os batimentos do coração. Mas será que o sistema nervoso também regula se as células tumorais vão crescer ou não dentro de nós? É isso que estamos atualmente descobrindo. Estamos identificando os mecanismos pelos quais o crescimento do tumor é regulado pelo sistema nervoso periférico; e, baseado nestes mecanismos, estamos criando maneiras de manipular o sistema nervoso periférico para inibir o desenvolvimento tumoral. Assim, esperamos que controlando o sistema nervoso periférico, possamos tanto eliminar as células tumorais como também impedir a sua volta. Nós acreditamos que essa abordagem poderá levar ao dia em que vamos poder dizer a todos vocês: todos nós temos células com potencial de formar câncer, no entanto nenhum de nós se tornará refém desta doença.
Qual é o grande diferencial deste estudo?
Com nossos estudos, descobrimos que tanto os nervos como as células associadas a eles, as chamadas células de Schwann, têm funções muito importantes dentro dos tumores afetando o seu crescimento. Inicialmente, descobrimos que um marcador de células de Schwann estava presente dentro dos tumores. Depois, descobrimos que tais células se associavam a vasos sanguíneos. Durante o crescimento do tumor, as células desgrudam dos nervos e se juntam aos vasos sanguíneos tumorais, tentando impedir o crescimento tumoral. Também descobrimos a presença de vários tipos de nervos dentro dos tumores. Descobrimos que estes nervos não estão ali passivos, mas têm funções proativas dentro dos tumores, afetando o seu desenvolvimento. Descobrimos tanto nervos simpáticos, parassimpáticos como nervos sensoriais infiltrados dentro dos tumores. Por isso, agora estamos injetando estas células dentro dos tumores para bloquear o desenvolvimento tumoral.
Quais foram os principais resultados?
Nos descobrimos que o microambiente tumoral pode ser muito mais complexo do que antes se pensava. Descobrimos que o sistema nervoso periférico está presente dentro do tumor, tanto em câncer de próstata, como em outros tipos câncer. Agora, estamos avaliando qual a importância das inervações dentro dos tumor. No futuro, esperamos poder controlar estes nervos dentro dos tumores para regular o crescimento tumoral, para melhorar os tratamentos disponíveis atualmente, que infelizmente são muito tóxicos para os pacientes com vários efeitos colaterais. Assim, nos esperamos que o impacto no tratamento, será a criação de maneiras mais especificas para a eliminação dos tumor. Pretendemos também entender como os tecidos são afetados depois da passagem do tumor, mesmo em pacientes que estes tumores são eliminados, para entender como podemos evitar que estes tumores voltem.
Quais são as possíveis aplicações deste estudo para a área da saúde?
As principais formas de tratamento atuais são quimioterapia e radioterapia, que matam as células cancerígenas. Porém a estratégia afeta também outras partes do corpo, acarreta diversos efeitos colaterais e causa até mesmo a morte de pacientes. Pois a maioria das drogas desenvolvidas contra o câncer se baseiam em matar células que crescem sem parar (que são as células malignas), no entanto varias outras células no nosso organismo também podem crescer e se dividirem, como as células do sangue por exemplo. Por isso a quimioterapia e a radioterapia acaba afetando não só as células de câncer, mas também outras células normais. É por isso que estes pacientes muitas vezes perdem os cabelos, apresentam feridas na pele, as unhas caem muitas vezes precisam passar por transplante de medula óssea após o tratamento.
Quais são os objetivos futuros da pesquisa?
Em nossos estudos estamos utilizando modelos animais pré-clínicos de câncer, como também biopsias humanas. Usando modelos transgênicos de camundongos, somos capazes de deletar componentes específicos do microambiente tumoral e estudar a sua função nos tumores. Comparando, para saber qual a minha função dentro do meu grupo de pesquisa, eu irei analisar como o grupo funciona sem mim e como funciona comigo. Dai se o grupo funciona sem mim de uma forma diferente, eu consigo deduzir qual a minha contribuição para o meu grupo. O mesmo conseguimos fazer com células e genes. Nós conseguimos deletar genes específicos em células especificas em um dado tecido em um determinado momento. Isso nos possibilita estudar a função de cada componente do microambiente tumoral, durante a progressão do tumor de próstata assim como de outros tumores.