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Parte do documento de ordem do Golpe Militar. Imagem: Reprodução Brasil Doc.

A valorização do acesso a informações históricas serve de fio condutor para um projeto do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais que está gerando bons frutos para memória nacional. O Brasil Doc. é um arquivo digital que torna disponível, em transparência ativa, documentos históricos originais. Atualmente, o site concentra dezenas de registros sobre o período da Ditadura Militar, todos categorizados e organizados em PDFs para download.

Segundo Wilkie Buzzati Antunes, um dos pesquisadores responsáveis pelo Brasil.Doc, foram tratadas cerca de 2,5 mil páginas de documentos inéditos. “Pensamos em que tipo de organização seria prática e rápida para pessoas não familiarizadas com pesquisas em arquivo, que não têm facilidade com categorizações técnicas. Assim, criamos o site que é bastante direito. A ideia é que, com três ou quatro cliques, alguém possa ler o PDF. Pessoas não especialistas podem ter acesso à documentação”.

[quote align=’left’]”Arquivos são conjuntos de documentos, independentemente de sua data, de sua forma e de seu suporte material, produzidos ou recebidos por qualquer pessoa física ou jurídica e por qualquer serviço ou organismo público ou privado. Um Arquivo, por si só não diz nada ou quase nada. Aproximar-se de um Arquivo exige formular alguns enunciados. O que ele guarda? De que modo guarda? Que critérios ele utiliza para distribuição, divisão e agrupamento de seus conjuntos documentais? Quais as condições de acesso? Quais as condições de consulta?” (Heloísa Starling)[/quote]O acervo tem servido de base para produção de pesquisas acadêmicas – de iniciação científica a pós-doutorados -, produção de livros e reportagens jornalísticas. Foi também fonte de pesquisa para Comissão da Verdade em Minas Gerais. Um exemplo é matéria produzida pelo jornal Estado de Minas em que foi possível contar a história do militante mineiro, Wellington Moreira Diniz, que acreditava ter entregue, sob tortura, o colega Juarez Guimarães de Brito.

No entanto, descobriu-se por meio dos documentos que Wellington jamais deu as informações que resultaram na morte de Juarez.

“São poucos arquivos que ainda estão digitalizados e acessíveis online. Grande parte dos arquivos digitalizados tem acesso local. A pessoa precisa ir ao Arquivo Público Mineiro ou Arquivo Nacional e ler no computador do prédio. Para pesquisadores de grandes centros urbanos há mais facilidade, porém quem está no interior precisa gastar muito recurso para trabalhar com um arquivo assim. A nossa ideia é valorizar o acesso universalizado. Pesquisadores ou interessados do país e fora dele podem produzir conhecimento a partir desse material do Brasil Doc.”, explica Wilkie Buzzati.

Registros de órgãos de informação

De acordo com a professora e coordenadora do projeto, Heloísa Starling, um conjunto de documentos em microfilmagem foi entregue, por jornalistas, à UFMG  para que a instituição pudesse organizar, avaliar a importância e disponibilizar em outro suporte. São registros provenientes de órgão de informação repressão das Forças Armadas, principalmente, do Centro de Informações da Marinha (CENIMAR). Há também documentação do Centro de Informações do Exército (CIE); Centro de Informações da Aeronáutica (CISA); Serviço Nacional de Informações (SNI); Centros de Operação e Defesa Interna (CODI) e Destacamentos de Operação Interna (DOI).

[quote align=’right’]”Fontes são documentos contemporâneos aos fatos e manipulados pelo historiador por meio de abordagens específicas, métodos diferentes e técnicas variadas, para investigar o que aconteceu com os outros. Sua natureza é diversa e quase interminável. Fontes podem ser documentais, impressas, orais, biográficas e audiovisuais. Podem ser cartas e diários; pronunciamentos e discursos; testamentos, inventários, registros paroquiais; sentenças, autos, relatórios produzidos pelo poder Judiciário, pela polícia ou por órgãos de repressão política; textos literários, jornais, panfletos, anúncios; canções, filmes, fotografias e obras de arte.” (Heloísa Starling)[/quote]Três professores especialistas no assunto – José Murilo Carvalho, Ângela de Castro Gomes e Daniel Aarão Reis – atestaram a pertinência histórica de cada documento. Heloísa Starling foi à biblioteca nacional para fazer a datação, confirmando que os documentos eram mesmo do período de repressão.

Esteve também na Controladoria-Geral da União (CGU) para discutir como o grupo de pesquisadores trataria os documentos, afinal, há informações sensíveis sobre muita gente. De acordo com Starling, a CGU orientou que as informações públicas encontradas teriam prioridade sobre as privadas. A controladoria também atestou os documentos e achou que valeria a pena fazer o site. Havia uma insegurança por parte dos historiadores em relação a desdobramentos éticos e jurídicos em divulgar os dados.

“Eu tinha medo até que alguns documentos fossem mentira. Expliquei isso na CGU. Porque lidando com um arquivo de repressão, a gente precisa cuidar de tudo. O historiador precisa pensar se há algum dado manipulado por interesse do regime. Felizmente, isso não aconteceu com os documentos que trabalhamos”, afirma a professora.

A UFMG tem larga tradição em lidar com a documentação da ditadura, por isso foi escolhida para tratar os documentos. “A universidade tem grande experiência com material de sua própria memória do movimento estudantil, de como resistiu à ditadura. A instituição também manteve documentos do período mesmo após a redemocratização”, explica Heloísa Starling.

A escolha da UFMG se deve também à expertise de pesquisadores do Projeto República, o núcleo de pesquisa, documentação e memória, coordenado por Heloísa Starling. Desde 2001, cientistas desenvolvem trabalhos de interpretação e análise da realidade histórica e política do Brasil. Há várias produções sobre a Ditadura Militar.

Exemplo de organograma que foi fonte de informações para pesquisa de centros clandestinos. Imagem: Reprodução Brasil Doc.

Centros clandestinos de tortura

Além de livros, matérias jornalísticas e base para pesquisas externas, o acervo documental rendeu um trabalho científico dentro do Projeto República. O historiador Danilo Araújo Marques, que faz parte do grupo, desenvolveu uma pesquisa baseada nos registros da ditadura.

O levantamento mostra a existência de centros clandestinos de tortura a partir de informações coletadas em depoimentos de pessoas torturadas, junto com dados observados em organogramas dos Centros de Operação e Defesa Interna (CODI). Apenas um espaço clandestino era conhecido, a chamada Casa Petrópolis (ou Casa da Morte), que foi denunciada por uma pessoa que sobreviveu à tortura.

No entanto, o acervo documental e a pesquisa de Danilo mostram a existência de tantos outros centros clandestinos, inclusive em Minas Gerais. “Levantamos até casos de tortura antes de 1968. Sabe-se que ela se intensificou a partir do início do regime, mas já existia uma prática sistemática antes desta data”, explica o historiador.

Para identificar esses espaços, alguns sinais foram coletados nos documentos disponíveis no Brasil Doc. A partir de organogramas do CODI e repetidas informações de depoentes, o pesquisador traçou a ligação de centros clandestinos citados em depoimentos com hierarquias dentro do Exército. Além disso, localizou os imóveis para saber o que funcionava naqueles espaços atualmente.

“Na prática de tortura surge uma outra forma de desaparecer com corpos ou mandar as pessoas para uma nova categoria de tortura, a dos centros clandestinos. A pessoa que entrava lá era marcada para morrer. A documentação nos revelou informações sobre esses lugares”, conclui Danilo Araújo.

Luana Cruz

Mãe de gêmeos, doutoranda e mestre em Estudos de Linguagens pelo Cefet-MG. Jornalista graduada pela PUC Minas. É professora em cursos de graduação e pós-graduação.

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