Igualdade nas ciências mobiliza pesquisadoras mineiras

Em defesa da igualdade nas ciências, da ampliação da participação das mulheres e por mais diversidade nas Universidades, teve início nesta segunda-feira, 27 de agosto, o I Congresso de Mulheres na Ciência da UFMG.

Organizado por estudantes do Instituto de Ciências Biológicas (ICB / UFMG), o evento teve como palestrante de abertura a física Márcia Barbosa, que abriu sua fala com uma provocação: “Ciência é importante demais pra gente deixar só nas mãos dos homens“.

Coordenadora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Márcia destacou que o caminho para homens e mulheres na Academia pode até ser o mesmo, mas os obstáculos são distintos.

“O maior problema é a construção que a sociedade tem na cabeça: pensam que se a mulher quer fazer ciência, tem que carregar o pacote inteiro: cuidar dos filhos, da casa, fazer comida e ainda ser uma pesquisadora de excelência…”.

Charge publicada junto a artigo de Márcia Barbosa no Jornal da Ciência, em 2002. “Não sou bióloga, sou física, não tenho filhos e não sei cozinhar”.

É uma questão de tempo?

[quote align=’right’]Mitos sobre as relações de gênero na Academia: Meritocracia; Dizer que não existe preconceito; Achar que mulheres não têm ambição; Pensar que mulheres não são boas em ciência; Achar que é uma questão de tempo até que tudo melhore[/quote]

Márcia Barbosa refutou alguns dos principais mitos sobre as relações de gênero na Academia (box) e afirmou que frases desse tipo são como ‘mordidas de mosquito’.

“Frases que nos picam cotidianamente, nos incomodam”.

Para ilustrar sua fala, apresentou a foto da Conferência de Solvay de 1927, e afirmou que a ciência ainda é, majoritariamente, como na foto:

Branca, masculina, feita no hemisfério norte, só vai quem é convidado“.

Quinta conferência (1927). Foto de Benjamin Couprie / Domínio Público

Ela também destacou que a única mulher da foto de 1927, Marie Curie, representa a mulher pobre polonesa, imigrante, que vai pra França e faz uma revolução, ganhando dois prêmios Nobel – a única pessoa no mundo a conquistar essa honraria duplamente, em Física e em Química.

Para quem pensa que a situação melhorou, quase um século depois, Márcia também apresentou a foto da Conferência de Solvay de 2011 (abaixo): “É a mesma conferência e tem só duas mulheres. Nada mudou“.

Foto da Conferência de Solvay 2011. Apenas duas mulheres dentre os cientistas convidados. Reprodução.

Para onde foram as mulheres?

Márcia apresentou dados que apontam que mulheres são a maioria na graduação, até o doutorado, em todo mundo, em todas as áreas do conhecimento. Mas quando se avaliam as taxas de ocupação profissional, mulheres aparecem em menor quantidade.

“As mulheres somem após o doutorado! Para onde elas vão? Para o não-lugar, onde não têm voz. É disso que se trata essa revolução que precisamos fazer. Gosto de lembrar que bruxas foram queimadas e magos são protegidos. Temos que brigar todos os dias, juntas, para reverter esse quadro”.

Ela cita exemplos do machismo e do sexismo cotidianos que contribuem para que, desde de muito novas, as mulheres não se sintam instigadas a seguir carreiras nas ciências.

Brinquedos estereotipados como ‘de meninas’, por exemplo, tendem a ser menos relacionados a questões científicas, de engenharia, física ou matemática. “Isso não acontece sem querer, é um projeto”.

Outro exemplo citado tem a ver com a definição de que certas profissões seriam mais masculinas que outras, mas que isso também não passa de construção social.

“A computação é um ótimo exemplo, uma profissão em que há decréscimo de participação feminina. Quando começou, era ocupada por mulheres, as computadoras. Com o tempo, foi se transformando. Hoje, é uma área majoritariamente masculina”.

Mulheres sem voz

Após um levantamento de dados do CNPq nas áreas de Física e Medicina, Márcia Barbosa identificou que mulheres são cerca de 30% dos pesquisadores de maior destaque no Brasil, aqueles agraciados com as bolsas de pesquisa e produtividade A1.

“A cada 2 anos, crescemos 2%. Se não fizermos nada, teremos igualdade somente daqui a 100 anos“.

Para ela, a solução passa pela implementação de ações afirmativas, modelo que tem dado bons resultados em países como os Estados Unidos. “E não falo só de cotas, mas de integração de mulheres em todos os âmbitos, em todos os comitês… Tem que dar voz, tem que dar vez“.

Citando um artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, Márcia falou que há apenas 14% de mulheres na Academia Brasileira de Ciências, considerando-se todas as áreas de conhecimento.

“A gente é sempre Marie Curie. estamos sempre sozinhas. Como a gente pode mudar alguma coisa sendo sozinha?”

Ela defendeu a diversidade como uma ferramenta importantíssima e comprovadamente relevante para o aumento da riqueza e do desenvolvimento, não apenas em ambientes empresariais, mas também na Academia. “E embora este não seja o tema do evento, não falo só de diversidade de gêneros, mas também de raça, etnia, condições sociais…”.

Mesa de abertura

A Reitora da UFMG, professora Sandra Regina Goulart Almeida, destacou na abertura do evento sua grande satisfação, parabenizando as organizadoras, estudantes do curso de Ciências Biológicas.

[quote]A UFMG tem 90 anos, mas sou apenas a terceira mulher a ocupar o cargo de reitora. Isso diz muito das dinâmicas de gênero na Universidade. E as reitoras que me antecederam eram das Ciências Humanas, o que também diz muito sobre a desigualdade e a ausência de mulheres nas demais áreas e nos cargos de mais alta hierarquia na gestão“.[/quote]

Ela salientou duas questões que considera essenciais para o debate sobre as mulheres nas ciências: a pluralidade e a interseccionalidade da discussão, bem como as violências do campo simbólico, que precisam ser combatidas:

“É importante falarmos de mulheres e ciências, no plural, sempre destacando a diversidade e as diferenças entre nós. Há toda uma dinâmica de poder, que inclui questões de raça, gênero, condição social, e outras estruturas que devem ser vistas de forma relacional. Há muitas mulheres ainda silenciadas e não posso falar por elas. É preciso abrir caminhos para que essas mulheres possam falar por elas mesmas, quando quiserem falar”.

Outro tema importante, segundo a reitora, é a falácia da diferença sexual:

“Ficarmos apegadas às diferenças entre homens e mulheres não nos leva a lugar nenhum. É claro que existem diferenças biológicas, mas elas não podem ser determinantes. Não se nasce mulher, torna-se, já disse Simone de Beauvoir. Não é elogio quando alguém diz que as mulheres são melhores gestoras porque conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo, isso é reforço de estereótipo. É perigoso se ater a essas violências do campo simbólico”.

Representantes da UFMG em defesa das mulheres

Também participou da abertura do evento a Pró-reitora de Extensão da UFMG, Claudia Andrea Mayorga Borges. Ela disse ser muito importante que a universidade acolha essa reflexão, pensando as mulheres na ciência como um tema central.

Já a vice-diretora do Instituto de Ciências Biológicas, professora Élida Mara Leite Rabelo, disse que não há como desvincular o tema das mulheres na ciência do machismo. “Por que nós temos necessidade de ter um encontro como esse? O machismo que enfrentamos na nossa vida existe aqui na UFMG também, é reproduzido da mesma forma”

Andréa Maris Campos, da Pró-reitoria de Pesquisa da UFMG, informou que 61% da iniciação científica é de bolsistas mulheres. Em seguida, fez o mesmo questionamento que Márcia Barbosa em sua apresentação:

“Onde essas meninas foram parar? Na escalada do poder, vão perdendo representação. O Congresso marca a história da Universidade: É uma decisão política de inventar novas formas de resistência, produzir incentivos e projetos para essa nova onda do feminismo”, destacou.

Andréa Mara Macedo, ex-diretora do ICB, também salientou a importância do debate: “Essa semana a UFMG é mulheres. Ignorar esse problema é a maior das violências. Ignorar é não buscar solução. Precisamos pensar também nas mulheres em outros espaços da vida, na política e nas empresas”.

Como participar?

O I Congresso de Mulheres na Ciência da UFMG vai até sexta-feira, dia 31 de agosto. O evento é gratuito e aberto ao público, sujeito à lotação do espaço.

Para participar, basta se apresentar no credenciamento do Centro de Atividades Didáticas 1 (CAD 1) da UFMG, no campus Pampulha.

Para mais informações, acesse o site: icmc-ufmg.wixsite.com/icmc.

Leia também: Aberta a chamada “Meninas nas Exatas, Engenharias e Computação”, do CNPq.

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Verônica Soares

Jornalista de ciências, professora de comunicação, pesquisadora da divulgação científica.