“Fazer ciência na área de humanas tem as suas particularidades. Riobaldo, personagem de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, dizia: ‘Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa’. É justamente essa curiosidade, o gosto por especular ideias, que nos impulsiona ainda a fazer pesquisa em uma área tão desvalorizada como a nossa.” (Marcus Vinícius Pereira das Dores, mestrando no Programa em Estudos Linguísticos da UFMG).
Se você ainda pensa somente em laboratórios, microscópios e jalecos quando se fala a palavra ciência, é preciso ampliar seus conceitos. Cientistas das literaturas e línguas não trabalham nas bancadas das universidades, mas produzem conhecimento e representam o Brasil com produções internacionais. O Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Minas Gerais (Poslin-UFMG) é um dos espaços para esses pesquisadores da área de Letras.
O Poslin-UFMG foi qualificado com 7, a nota máxima, na última avaliação quadrienal na Capes. Por isso, é um dos programas que apresentaremos na série de reportagens sobre pesquisas de excelência desenvolvidas em Minas. “A gente sabe que é uma área desprestigiada. O prestígio maior é dado às ciências biológicas e exatas. As pessoas acham que a gente fica só trancado discutindo ou propondo teorias. Fazemos isso também, mas temos preocupação que esse conhecimento chegue à graduação e transcenda os muros da instituição com as devidas adaptações”, explica a coordenadora Glaucia Muniz Proença Lara.
Área do conhecimento
O curso de Letras da UFMG surgiu em 1941 e a Faculdade de Letras, em 1968. Cinco anos depois, nasceu a pós-graduação em Língua, Linguística e Literatura, mas em 1994 se desmembrou em dois cursos, sendo um deles o Estudos Linguísticos. Somente em 1998, se concretiza efetivamente o Poslin com sua configuração de áreas e linhas de pesquisa.
Números atuais do programa:
921 dissertações e 415 teses (até 2017)
276 alunos ativos
67 professores
28 pós-doutorandos
As áreas de concentração do Poslin são Linguística Teórica e Descritiva, em que se pesquisam aspectos morfológicos, sintáticos, semânticos, fonético-fonológicos e pragmáticos das línguas naturais; Linguística do Texto e do Discurso, com estudos relativos à textualidade em língua oral e escrita, além das variadas formas do discurso; e Linguística Aplicada, que se dedica a investigar a linguagem em uso, ademais as questões relacionadas à produção de significados e à comunicação humana.
O estudante do programa, Marcus Vinícius Pereira das Dores, garante que a Linguística é uma área do conhecimento muito ampla e, por isso, o pesquisador não deve se fechar apenas ao seu objeto de estudo. A pesquisa de mestrado dele tem por objetivo editar o Livro de Inventários da Catedral de Mariana (1749-1904). Ele está recuperando registros de língua presentes no manuscrito e parte da memória social da época de redação do documento. Também está levantando o vocabulário detalhado dos termos eclesiásticos contidos nesses inventários para deixar um legado para futuros editores que se deparam com palavras desconhecidas.
Quem são os linguistas?
As reflexões sobre as línguas existem há muito tempo, mas a Linguística é uma ciência relativamente recente, que surgiu no início do século XX. Por ser uma área de pouco interesse das pessoas de fora do ambiente acadêmico, muitas dúvidas surgem dúvidas sobre as pesquisas realizadas.
De acordo como mestrando Marcus Vinícius são comuns questionamentos como: “linguistas são aquelas pessoas que sabem muitas línguas?” ou “são estudiosos que conhecem a origem e os significados das palavras?”, ou ainda, “são responsáveis por avaliar o que é correto em uma determinada língua?”.
O trabalho dos linguistas é mais amplo, conforme explica o mestrando. “Pensamos os estudos sobre língua em seus diversos aspectos: teoria e descrição de uma língua, o ensino de línguas, as línguas estrangeiras, a tradução, as expressões discursivas”.
Segundo Glaucia Lara, existe a ideia de que o pesquisador para fazer Linguística tem que dominar várias línguas estrangeiras, mas não necessariamente. “É uma ciência que vai estudar os fatos da linguagem. Esta, por sua vez, se concretiza em várias línguas que falamos. Mas nada impede quem uma pessoa faça pesquisas com dados apenas do português”.
A rotina dos linguistas envolve pesquisa e ensino, pois eles lecionam na graduação em Letras. Também são autores materiais didáticos, além das publicações científicas, capítulos de livros e coletâneas.
Ensino da língua
Um aspecto que gera polêmica, de acordo com a coordenadora, é o posicionamento do linguista sobre o ensino da língua. Para Glaucia Lara, algumas pessoas se equivocam ao falar que o linguista é a favor de ensinar a escrever e falar errado. Ela se refere à valorização das várias formas da língua.
“Expressar Os menino pega o peixe é uma forma que não tem prestígio, mas é adequada para quem vive num meio social especifico”, explica. De acordo com a coordenadora, muitos acham que o linguista aceita tudo ou se coloca contrário ao ensino da língua padrão na escola, mas isso não é verdade.
“Nenhum linguista que se preze vai negar que a função da escola é ensinar a língua padrão, porque muitos alunos só vão aprendê-la na escola. Se a gente quer formar um cidadão consciente com seus direitos e deveres, que possa fazer um vestibular, um Enem ou concurso para emprego e ser aprovado, ele tem que dominar a língua padrão. Essa é a variedade linguística que tem prestígio social porque é a forma de expressão da classe economicamente dominante. Não quer dizer que seja mais bonita, correta ou sonora” (Glaucia Muniz Proença Lara, coordenadora do Poslin)
Um linguista que ser de deparar com um aluno dizendo Os livro é interessante, provavelmente, o orientará que existe outra forma de expressar usando o plural: Os livros são interessantes. No entanto, jamais afirmar a existência de certo ou errado, somente explicará o estudante precisa saber as duas formatações para usar em cada situação de comunicação.
“A gente fala em adequação, diferentemente da gramática normativa que vai prescrever certo e errado, de acordo com o que chamam de norma culta. As variedades além do padrão não têm prestígio social, mas não pode se dizer que são erradas ou feias. Se você corrige um aluno do Ensino de Jovens e Adultos (EJA), que deixou a escola e voltou anos depois, dizendo que ele fala errado, é desmerecer. Ele nunca terá motivação para aprender a norma culta”, argumenta Glaucia Lara.
Extensão
Estender significa expandir no tempo ou no espaço. Este é o sentido que se dá ao falar de projetos de extensão nas universidades. A ideia é que se faça uma ponte entre a ciência como produção de conhecimento e as aplicações na vida do cidadão.
Para a coordenadora Glaucia Lara, o Poslin dá um retorno social quando forma os professores que estarão nas salas de aula de instituições municipais, estaduais, federais e privadas. A coordenadora afirma também que há grande interface da pós-graduação com a educação básica. Segundo ela, existe um diálogo constante com docentes do fundamental e médio com a intenção de trocar informações sobre o uso da língua, melhorar o ensino e testar metodologias.
Além disso, o Poslin dialoga com a comunidade por meio dos trabalhos de extensão coordenadores por professores do programa:
- Espaço do Educador: diminui distância entre escolas do ensino básico e universidade propondo um diálogo. Dentro deste projeto estão duas iniciativas, o ARADO – que disponibiliza material didático produzido colaborativamente e uma curadoria de recursos digitais para ensino de línguas – e o REDIGIR, que oferece atividades de leitura e produção de textos para serem aplicadas pelos professores do ensino fundamental;
- Interfaces da Formação em Línguas Estrangeiras: tem foco na formação de professores tanto em nível continuado quanto inicial. Dentro deste projeto estão iniciativas como EDUCONLE – que oferece atualização para docentes com módulos de metodologia e línguas, CONTINUAÇÃO COLABORATIVA – que busca soluções para o ensino de inglês, TEXTO LIVRE – por meio de subprojetos divulga softwares de ensino para português, gramática online, entre outros;
- Português como segundo língua para surdos: apoia o trabalho de professores de português para surdos com o fortalecimento de educação bilíngue e desenvolvimento de material didático;
- Taba eletrônica: espaço técnico e social para letramentos digitais e troca de ideias sobre habilidades ligadas às novas mídias.
Internacionalização
A qualidade de uma produção científica está relacionada ao investimento na formação de alunos e aperfeiçoamento dos professores. No caso do Poslin, há parcerias com instituições da França, Irlanda, Estados Unidos, Alemanha, entre outros. Recentemente, o programa recebeu os incentivos do Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (COFECUB) com o intuito de incentivar o intercâmbio acadêmico e científico entre o Brasil e a França e de aprofundar a cooperação. Entre os benefícios, está a vinda de professores estrangeiros à UFMG para lecionar disciplinas e cursos.
ESTA É A ÚLTIMA REPORTAGEM DA SÉRIE NOTA 7 CAPES. PARA VER TODOS OS TEXTOS DA SÉRIE CLIQUE AQUI.