“Quando se diz excelência, não defino a expressão externa do que vai para a sociedade. Sinto a excelência dos professores porque se eu tiver uma dúvida, vão responder. As disciplinas também refletem isso. A excelência é muito ligada à capacitação dos professores, ao ambiente e ao calor humano que criam aqui dentro. A expressão externa de todos esses benefícios é apenas uma consequência”. (Mateus de França Perazzo, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFMG)
Mateus Perazzo é um paraibano, da cidade de Areia, que sempre sonhou em estudar na Universidade Federal de Minas Gerais. Ele conta que mantinha como descanso de tela uma foto da UFMG para não perder de vista o desejo de integrar um dos maiores centros de epidemiologia e pesquisa em Odontologia do país.
Hoje, ele faz parte do grupo de pesquisadores que se identificam com a instituição onde trabalham e acreditam no impacto social dos projetos que realizam. Assim, conseguem expressar uma ciência construída para excelência. Mateus Perazzo é aluno do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFMG, que na última avaliação quadrienal na Capes, foi qualificado com 7, a nota máxima. Por isso, é um dos programas que apresentaremos na série de reportagens sobre pesquisas de excelência desenvolvidas em Minas.
“Lá na Paraíba o Sudeste é muito distante. São 2.554 quilômetros da UFMG para a minha cidade. Quando morava lá, ia todo fim de semana para casa. Hoje, vou duas vezes ao ano ver minha família, mas acho que vale a pena. A instituição é muito melhor do que eu imaginava”, conta Mateus Perazzo.
Para a coordenadora do programa, Isabela Almeida Pordeus, a fala do aluno é reflexo do trabalho de uma pós-graduação “guarda-chuva” que abriga diferentes áreas de concentração. Isso fortalece a formação dos pesquisadores e a integração de professores. “O que nos torna fortes é a unidade e a tramitação em diferentes áreas atuando numa chancela só”, afirma.
O programa foi inaugurado em 7 de novembro de 1978, portanto, completou 40 anos. Atualmente, as áreas de concentração são Clínica Odontológica, Saúde Coletiva, Patologia Bucal, Odontopediatria, Periodontia, Estomatologia e Endodontia.
Eixos da excelência
Para a coordenadora, a qualidade do programa se deve a quatro eixos principais: produção intelectual, internacionalização, responsabilidade social e inserção de egressos. O primeiro diz respeito ao conhecimento gerado por meio de publicações, com uma virtude reconhecida pelos pares e indicadores bibliométricos que inferem aquela ciência como referência na comunidade odontológica mundial.
O segundo está relacionado à mobilidade e reciprocidade acadêmica com intercâmbios estabelecidos entre a Odontologia e outras pós-graduações. Pesquisadores do programa vão para fora do país e a UFMG recebe cientistas para passar períodos aqui, com troca de conhecimento.
Sobre responsabilidade social, Isabela Almeida destaca os projetos de pesquisa e atividades de extensão que atendem à comunidade, além do apoio dado a outros programas de pós-graduação no país que se estabelecem a partir de uma “mentoria” da Odontologia da UFMG.
Por fim, a coordenação destaca a inserção de egressos no mercado de trabalho, não somente como pesquisadores e professores em universidades, mas nos setores de saúde pública de todo o país. São nesses espaços que os pesquisadores levam a transformação social, segundo Isabela Almeida.
Impacto social
O programa tem três linhas de pesquisa que impactam a sociedade diretamente: epidemiologia, controle da saúde bucal e políticas públicas de saúde. De acordo com Isabela Almeida, informações são coletadas em atendimentos a pacientes que procuram a UFMG. Esses dados viram objeto de pesquisa e são transformados em conhecimento para retornar à comunidade por meio de políticas de saúde.
Segundo a professora da pós-graduação, Tarcilia Aparecida Silva, equipes da patologia clínica emitem cerca de 50 exames de pacientes por mês. Em um projeto integrado com o Hospital das Clínicas da UFMG, doutorandos da Odontologia coletam amostras, avaliam pacientes, dão assistência e elaboram protocolos de atendimento a partir os dados coletados.
Conforme o professor Mauro Henrique Nogueira Guimarães de Abreu, o programa desenvolve produtos científicos na perspectiva de políticas de saúde. São pesquisas em nível municipal, estadual e federal, junto aos órgãos de saúde em cada uma dessas esferas. “Os recursos humanos dos serviços de saúde nos demandam muito para ajudar a responder os problemas deles”, afirma o docente.
Um exemplo, segundo Mauro Henrique, é a criação pelo Ministério da Saúde de um serviço de avaliação à atenção primária de saúde. Os pesquisadores da Odontologia na UFMG foram chamados para validar este serviço e saber o quanto o instrumento responde ao quesito qualidade de atendimento. Conforme o professor, é uma espécie de legitimação da avaliação feita pelo órgão federal.
Outros pontos relevantes são as pesquisas que refletem sobre o quanto as diferenças nas condições de vida das pessoas podem determinar a saúde bucal ou a assistência à saúde. O doutorando Mateus Perazzo, por exemplo, trabalha com validações de questionários que são instrumentos de saúde positiva. “Vai muito além de uma pesquisa focada nos dentes, pois se pensa na saúde do corpo. Ao aplicar esses questionários não perguntamos se a pessoa sente dor de dente, questiona-se como se sente com sua saúde bucal”, explica.
Mateus Perazzo também trabalha com a validação de um segundo questionário que mede a inteligência emocional do aluno de graduação em Odontologia. De acordo com o cientista, o objetivo é ver a empatia profissional, pois atuar na área de saúde não exige apenas capacidade prática, mas também valores humanos.
“Estudar a qualidade de vida é um eixo forte do programa. Pesquisa-se como os agravos bucais ou intervenções comprometem a qualidade de vida da população. A gente estuda a infância, adolescência e a vida adulta pensando questões diferentes em cada uma dessas etapas. De que forma a cárie, os defeitos dos dentes, problemas de oclusão, fluorose e traumatismos dentários impactam uma pessoa e a família dela?” (Isabela Almeida Pordeus, coordenadora da pós-graduação em Odontologia da UFMG)
Evidências científicas na Odonto
Cientistas da Odontologia pesquisam todos os tipos de agravos relacionados à saúde bucal. “Câncer, bruxismo, doenças periodontais, alterações sistêmicas que afetam a mucosa bucal, tratamento de lesões da boca, pacientes que perdem dentes devido a artrite ou lúpus”, exemplifica a professora Tarcilia Aparecida Silva.
Segundo ela, o pós-graduando tem a possibilidade de transitar em várias áreas do conhecimento, o que é muito rico para a formação. “O aluno da patologia fica em treinamento no laboratório de laudos. Se um paciente com lesão na boca faz uma biópsia, este material vem para o laboratório e a gente emite um laudo. O aluno é treinado e ainda enriquece o banco de dados que trabalhamos. Somos registrados, por exemplo, num banco nacional de tumores, portanto, os dados que coletamos retornam para o serviço de saúde”, explica Tarcilia Aparecida Silva.
Outra linha de trabalho relevante é de pesquisa sobre doenças raras, como a mucopolissacaridoses, uma enfermidade metabólica de origem genética e hereditária. Nesses casos raros, o trabalho de pesquisa e extensão do programa de pós-graduação caminham juntos, conforme afirma a docente.
Na Odontologia, é possível fazer estudos experimentais. Os cientistas podem induzir câncer bucal ou doença periodontal em animais. É possível também trabalhar no laboratório (in vitro) com células isoladas. Muitas vezes, ao lidar com os pacientes, leva-se uma base de conhecimento gerado nos laboratórios, o que os cientistas chamam de pesquisa translacional.
“Pacientes com artrite podem perder os dentes precocemente. A gente consegue simular e monitorar esta perda em animais, pois fica mais fácil para entender. Usamos instrumentos e ferramentas de laboratório para fazer isso. Assim, conseguimos trabalhar a bancada e o paciente aumentando muito o impacto do conhecimento que a gente produz”, afirma Tarcilia Aparecida Silva.
A genética também é fundamental na Odontologia. Ela ajuda no diagnóstico, no estudo de mecanismo de lesões raras ou tumores, além de apontar formas de tratamento.
“Conseguimos fazer no programa os passos da pesquisa básica ao paciente e isso é o que nos faz avançar. Sempre temos novas perguntas com foco na comunidade. Qual a melhor forma de tratar este paciente? O diagnóstico está correto? É nossa função questionar a prática o tempo todo. Hoje conhecimento é baseado em evidências científicas, por isso é importante fazer uma Odontologia diferente” (Tarcilia Aparecida Silva, professora da pós-graduação)
O professor Mauro Henrique destaca estudos que relacionam doenças sistêmicas, como a diabetes e artrite, aos problemas periodontais. Além disso, cita pesquisas na saúde coletiva em que se estuda a perda de dentes na população idosa, um problema epidemiológico grave no Brasil. “Usamos métodos qualitativos e quantitativos para entender as percepções e implicações dessas perdas na vida das pessoas”.
Ele também exemplifica trabalhos relacionados a materiais educativos para saúde bucal. “Uma das nossas pesquisadoras está validando um instrumento dos EUA para avaliar como se desenvolve adequadamente materiais educativos. É um check list já validado em inglês, mas agora trouxemos para o português. Queremos colocar isso como tecnologia disponível para ser usada por profissionais do serviço de saúde para legitimar materiais educativos, tanto impressos como online”, conclui Mauro Henrique.
Por fim, segundo a coordenação do programa, também são importantes as pesquisa sobre bruxismo, que é um agravo pouco estudado, principalmente na infância, alem dos impactos de distúrbios alimentares como anorexia e bulimia na saúde bucal.