Não há dúvidas de que dengue, zika, chikungunya, malária, leishmaniose fazem parte do nosso vocabulário. Portanto, é imprescindível pesquisar sobre os causadores e as formas de controle dessas doenças e outras, muitas vezes, negligenciadas. Cientistas dedicam tempo a desenvolver testes de diagnóstico, vacinas, remédios que auxiliam nas questões de saúde pública para humanos de na produção animal melhorada.
É o caso de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Parasitologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que, na última avaliação quadrienal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), foi qualificado com 7, a nota máxima. Por isso, é um dos programas que apresentaremos na série de reportagens sobre pesquisas de excelência desenvolvidas em Minas.
“A verdade é que ninguém reconhece doenças parasitárias como algo tão importante. Sempre houve questionamentos dos pares. As pessoas têm dúvidas sobre o que fazemos dentro programa em Parasitologia porque se perguntam: ainda existem doenças parasitárias?” (Ricardo Toshio Fujiwara, coordenador da pós-graduação)
O programa da UFMG é o primeiro em Parasitologia do Brasil, iniciado em 1969, portanto uma referência internacional. Em 1917, Minas Gerais enfrentava problemas com a carbunculose animal, uma doença que preocupava os fazendeiros. Assim, decidiram investir em pesquisa e inovação e chamaram o cientista Oswaldo Cruz para ajudar a entender as infecções. Ele, por sua vez, envolveu o cunhado Ezequiel Dias nas investigações.
Nessa época, a UFMG não existia, mas desses estudos nasceram as instituições de pesquisa depois nomeadas Fundação Ezequiel Dias (Funed) e FrioCruz Minas. Pesquisadores que trabalhavam nas duas fundações estiveram nos primórdios da pós-graduação na UFMG. Grandes parasitologistas e referências da área, como Amílcar Vianna Martins e Zigman Brener, fazem parte da história do programa.
A resposta é: sim, temos doenças parasitárias
Segundo o Ricardo Fujiwara, há uma dificuldade em reconhecimento de doenças parasitárias como relevantes no Brasil, o que é um engano. Ele cita, por exemplo, a leishmaniose que não atinge apenas cães: a cada 10 casos caninos, há uma incidência em humanos. Muitas pessoas tem contato com doenças parasitárias sem saber, porque talvez estejam imunizadas, o que não significa que a enfermidade inexista.
“A gente tem um perfil de doenças parasitárias muito diferente do que tinha há 40 anos. Na época, o Brasil rural era próximo do que hoje é a África. Era fácil ver pessoas infectadas. A morbidade e mortalidade eram grandes. Hoje, como a melhoria da saúde, nutrição e educação, estamos negligenciando as doenças negligenciadas”, explica o coordenador.
As verminoses, segundo Fujiwara, não são vistas como importantes. Ele lembra que cerca de 800 milhões de pessoas no mundo têm lombriga, que não mata, mas prejudica a qualidade de vida. Meninos e meninas de 10 anos, que vivem em áreas endêmicas, à vezes, apresentam tamanho de criança de 6 anos por causa de doenças parasitárias.
“A própria comunidade científica está negligenciando algumas doenças. Estamos preocupados com técnicas moleculares, esquecendo das pessoas infectadas. Felizmente muitas doenças parasitárias estão diminuindo porque ocorre o tratamento indiscriminado. Os EUA eliminaram historicamente os parasitos tratando a população. Está acontecendo isso no Brasil, apesar de o Ministério da Saúde ser contra. Ao tratar uma doença, aparece outra porque o que precisa ser feito é pensar na questão de saúde pública e educação. Isso que a gente tem ensinado aqui no programa”, explica
Não raro, cientistas do programa de Parasitologia vão para áreas endêmicas em Minas Gerais, cidades com alta prevalência de doenças, mas baixa carga de infecçã. A ideia deles é trabalhar nesses locais a promoção da saúde, sem uma cultura esterilizante, mas deixando claro que doenças parasitárias afetam a qualidade de vida e bem estar.
“Nossa preocupação é diminuir a morbidade e trabalhar programas de controle. Raramente você houve dizer que alguém morreu de verme. Mesmo assim, queremos que a pessoa com verminose, leishmaniose ou malária, não sofra com a doença” (Ricardo Toshio Fujiwara, coordenador da pós-graduação)
Formação do cientista
A professora Daniella Bartholomeu trabalha no programa da UFMG há 13 anos e destaca essa vivência em áreas endêmicas como uma das mais importantes para a formação dos mestrandos e doutorandos. Eles fazem essas viagens como parte das atividades de campo.
“Desperta uma experiência transformadora nos estudantes. As vezes, nunca tiveram vivência com as pessoas doentes e ver a realidade delas desperta um sentimento diferente. Eles ficam semanas nos locais e escutam histórias diversas. Me contaram uma vez, de pais que não dormiam a noite para vigiar os filhos com medo de entrar na casa o barbeiro que transmite a doença de chagas. Esse tipo de relato, transforma o estudante porque ele pensa no que pode fazer para mudar a realidade”. (Daniella Bartholomeu, professora)
O programa em Parasitologia tem o Centro Avançado para o Controle de Doenças Negligenciadas de Januária, no Norte de Minas que foi criado em 2000 numa parceria com outras instituições e a Secretaria Municipal de Saúde. Cerca de 600 pessoas são diagnosticadas e tratadas por ano com leishmaniose, esquistossomose, hanseníase, tuberculose e doença de chagas.
Há o Centro de Controle da Esquistossomose (CCE) no distrito rural de São Joaquim, localizado a 100 quilômetros de Januária, cujo foco, desde 2006, é a redução na prevalência da infecção pelo Schistosoma mansoni. Ademais, os pesquisadores da UFMG, em pareceria com cientistas da UFOP viajam para áreas endêmicas em leishmaniose na cidade de Governador Valadares, no Vale do Mucuri, para estudar diferentes tipos da doença.
De acordo com o Ricardo Fujiwara, há uma preocupação em formar recursos humanos diferenciados. Segundo ele, todas as faculdades estaduais e federais do Brasil, que ensinam parasitologia, têm algum professor ou pesquisador formado pelo programa da UFMG. “São mais de 60 outros programas com egressos nossos. Nucleamos o Brasil com formação de pessoas diferentes. Eles não vão somente para o meio acadêmico, estão também no setor produtivo ou em empresas, como por exemplo, produtoras de vacinas”.
Para o coordenador, o cientista deve estar nas empresas, pois o investimento nesse recurso humano sempre dará retorno. O programa em Parasitologia tem hoje 64 patentes, com 9 licenciadas, o que sinaliza uma conhecimento aplicado muito útil para o meio público e privado. Como exemplo, foi desenvolvida uma armadilha para o mosquito Aedes aegypti que já é utilizado pelo setor privado.
O cientista da Parasitologia não tem o papel apenas de levantar quem está doente, mas de expandir conhecimento, por isso a aposta numa formação multidisciplinar. Há pesquisadores estudando, por exemplo, o uso de vermes no tratamento de enfermidades como Doença de Crohn, uma inflamação crônica que afeta o sistema digestivo. Outros envolvidos com biotecnologia, epidemiologia e farmacologia. Se um cientista é especialista em leishmania, precisa, ainda assim, saber identificar e resolver a malária.
Muitos docentes da Parasitologia participam das discussões nacionais sobre controle de doenças. “Estamos na fronteira da ciência, como se Oswaldo Cruz estivesse na época dele pesquisando e criando metodologias. Temos tentado fazer as inovações. Quando há dados interessantes, compartilhamos com Ministério da Saúde, prefeituras e secretarias”, diz Ricardo Fujiwara.
Relevância social
A doutoranda Luiza Figueiredo acredita muito na excelência das pesquisas que dão retornos para a sociedade. Ela se envolveu com o universo da pesquisa em Parasitologia desde a graduação em Ciências Biológicas, quando fez iniciação científica. Deu continuidade aos estudos com o mestrado e, atualmente, está no último ano do doutorado no Laboratório de Imunologia e Genômica de Parasitos.
Ela trabalha no desenvolvimento de uma vacina para a prevenção de doenças causadas por protozoários da família Trypanosomatidae (que incluem as leishmanioses e a doença de Chagas). “Estamos obtendo bons resultados. A perspectiva é de que em pouco tempo colocaremos essa nova vacina no mercado”, afirma.
Esse tipo de benefício é o que o coordenador Ricardo Fujiwara chama de relevância social. É pensar estratégias de controle de doenças, avaliar e pesquisar as melhores propostas. Além disso, a manutenção da pós-graduação como modelo. “Enviamos parasitos e proteínas para o mundo todo. Somos procuramos como referência mundial”, explica.
Dedicação para excelência
“Desenvolver uma pesquisa de qualidade requer alguns quesitos básicos para que ela, de alguma forma, produza benefícios para a sociedade, tornando-se ciência de qualidade. Para que ela aconteça é fundamental que haja investimento tanto em infraestrutura, com planejamento de bons laboratórios e salas de aulas teóricas e prática, equipamentos de qualidade, quanto em pessoal, oferecendo bolsas de pós-graduação” (Luiza Figueiredo, doutoranda no programa em Parasitologia)
O coordenador do programa destaca a necessidade de dedicação exclusiva dos pós-graduandos em Parasitologa, portanto, pesquisadores que dependem de bolsas. Segundo a professora Daniela Bartholomeu, a restrição de recursos dos últimos anos, pode refletir na elitização do programa, pois com a ausência de bolsas, somente quem não precisa delas poderia enfrentar quatro anos de doutorado.
“A gente acredita no ensino como mecanismo de transformação. É uma oportunidade de mudar trajetória das pessoas. Fazer pesquisa é um processo lento e a recompensa financeira é pequena. É quase um sacerdócio, mas cada um que fez esta opção é porque gosta muito daquilo”, afirma a professora.
Outro fator relevante para a excelência da Parasitologia é internacionalização, um intercâmbio de idas e vindas de pesquisadores para outros países. Há parecerias na criação de protocolos de tratamento animal ou no auxílio a países menos desenvolvidos. Recentemente, um pesquisador do Timor Leste estudou na UFMG controle de dengue e zika. Ele levou conhecimento e já está promovendo melhorias de saúde no país no seu país de origem.
“O estudante talvez chegue ao programa sem muita noção de que é um local de referência. Em um ano, muda muito porque entra na roda da internacionalização rapidamente. Além disso, convive com os melhores professores das subáreas, provavelmente as referências bibliográficas daquele aluno. Como exemplo, o principal livro de parasitologia no Brasil, é escrito por professores do programa”, conclui o coordenador.