Você sabe o que é modelagem biomecânica? E qual a relação dos métodos numéricos da Engenharia e a compreensão de fenômenos biológicos?
A influência de forças mecânicas na formação do osso é um bom exemplo para pensarmos essa relação. E se você já usou aparelho ortodôntico, sabe do que estamos falando!
Para entender melhor esse tema, conversamos com o professor Libardo Andres Gonzales Torres, que atua na Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e desenvolve pesquisas sobre os usos da modelagem biomecânica para diversas áreas da saúde, como a ortodontia.
Confira a entrevista:
Minas Faz Ciência: Conte um pouco sobre sua trajetória profissional. Por que decidiu virar pesquisador? Como passou a atuar com biomecânica e biomateriais?
Libardo: Desde criança, eu era curioso sobre como funcionavam as máquinas e os equipamentos. Tinha muito gosto pelas matemáticas e pela física. No ensino básico, estudei em escolas públicas da Colômbia, depois, eu me formei como Engenheiro Mecânico e mestre em Matemática Aplicada na Universidade Nacional de Colômbia.
Na Universidade, apliquei métodos numéricos da Engenharia à compreensão de fenômenos biológicos. Um deles foi a influência de forças mecânicas na formação do osso. No doutorado, na Universidade de Zaragoza, participei de um grupo de biomecânica. Ali, pude desenvolver estudos com uma equipe interdisciplinar sobre a cicatrização de fraturas ósseas sob ação de estímulos mecânicos externos. Descobrimos que os estímulos mecânicos podiam acelerar o processo de cicatrização óssea em uma semana, em testes feitos em ovelhas.
Quando cheguei ao Brasil para um estágio de pós-doutorado no Grupo de Engenharia Biomecânica da UFMG, trabalhei em pesquisas sobre as forças geradas durante o processo ortodôntico de expansão rápida da maxila. Há cinco anos, faço parte do corpo docente da UFVJM, onde coordeno o Grupo de Biomecânica e Bioengenharia – GBio2, dedicado ao estudo de processos biológicos e de tratamento de áreas da saúde, usando ferramentas computacionais e experimentais.
A equipe interdisciplinar do GBio2 é formada e tem colaborações de engenheiros de diferentes áreas, fisioterapeutas, dentistas e outros profissionais da UFVJM e de universidades brasileiras e estrangeiras.
MFC: Qual o propósito da modelagem biomecânica na ortodontia?
Libardo: O projeto de pesquisa sobre a modelagem biomecânica na ortodontia financiado pela FAPEMIG teve o objetivo de estudar, usando métodos computacionais, as forças geradas no crânio durante o processo de expansão rápida da maxila. Esse tratamento, que é feito para corrigir um desvio comum do arco dentário, às vezes pode ser assistido por cirurgia. O projeto objetivou buscar novos conhecimentos sobre as situações nas quais é mais ou menos recomendada a assistência cirúrgica.
MFC: Qual a importância de trabalhar com uma equipe multidisciplinar?
Libardo: É comum que nossas pesquisas surjam a partir de demandas de áreas da saúde, nais quais os profissionais ou pesquisadores solicitam ao nosso grupo uma solução para um problema específico. Até o momento, sempre atuamos em projetos interdisciplinares com dentistas, biólogos, profissionais das ciências farmacêuticas, fisioterapeutas e enfermeiras.
Ideias para pesquisas surgem também na interação diária com colegas, estudantes e técnicos do Instituto de Ciência e Tecnologia da UFVJM, que tem a grande vantagem de ser interdisciplinar, facilitando a proximidade física de profissionais com diferentes formações.
No meu caso, por exemplo, minha sala fica do lado da de profissionais das ciências da computação, engenheiros químicos, de alimentos e mecânicos, e também profissionais da economia e do empreendedorismo.
Essa proximidade faz com que, corriqueiramente, surjam assuntos de pesquisa bastante interdisciplinares e que podem ter impactos regionais, nacionais e internacionais importantes. Alguns desses assuntos estão sendo desenvolvidos atualmente com a participação do GBio2.
MFC: Que outros projetos são esses que vocês têm desenvolvido?
Libardo: O grupo é muito novo, foi criado em 2014. Até o momento, foram desenvolvidos dois projetos financiados pela Fapemig: um no qual estudamos a expansão rápida da maxila, que comentei anteriormente, e outro, aprovado em 2016, para o estudo do movimento de células dentro de tecidos vivos ou tecidos artificiais por meio de técnicas computacionais.
Foram criadas ferramentas computacionais para estudar o efeito do fluido intersticial, que se encontra nos tecidos, na movimentação das células. Partimos da hipótese de que fatores mecânicos podiam explicar o fenômeno de movimento contra o fluxo observado em células tumorais.
O modelo desenvolvido obteve evidências de que esse processo pode acontecer exclusivamente por fatores mecânicos, sem envolver necessariamente fatores químicos, como proposto em publicações da área.
Essa conclusão é importante porque conhecendo melhor os processos básicos associados à movimentação de células tumorais, podem ser gerados fármacos e tratamentos que, por exemplo, dificultem o movimento de células e dessa forma a difusão do câncer pela metástase.
MFC: Bioengenharia, bioinformática e biomecânica parecem ser campos de estudo cada vez mais relevantes no grande campo das Ciências Biológicas. Qual sua avaliação sobre o cenário das pesquisas em sua área, considerando que você vem da Engenharia, da Matemática? Que desafios ainda precisam superar?
Libardo: Dizem que o século passado foi o século da computação, em que muitas pesquisas foram focadas nessa área. Este século começou com engenheiros, matemáticos, físicos, cientistas da computação e de outras áreas focados no estudo de processos biológicos não compreendidos até o momento.
Atualmente, existem múltiplos grupos de bioengenharia, biofísica, biomatemática e outras que abordam assuntos da biologia com técnicas provenientes de outra área. Esse fenômeno se deve à complexidade dos fenômenos biológicos, que são influenciados por fatores físicos, químicos, elétricos, mecânicos, dentre outros.
Desvendar como esses fatores influenciam os processos biológicos e, ao mesmo tempo, desenvolver tecnologias e novos materiais que se comportem como sistemas vivos, são tarefas onerosas desenvolvidas dentro desses grupos.
Sobre os desafios que enfrenta atualmente a bioengenharia, cito a seguir alguns deles. A geração de tecidos e órgãos artificiais para substituir tecidos e órgãos vivos ainda é um objetivo a ser alcançado.
Também buscamos o desenvolvimento de tecnologias que ajudem no diagnóstico e tratamento de doenças de impacto global. Dentre elas, podemos citar diabetes, doenças cardiovasculares e degenerativas e o câncer.
Por fim, é preciso desenvolver tecnologias de baixo custo para assistir o tratamento das doenças de impacto global.
MFC: Para finalizar, conte algo que os leitores do Minas Faz Ciência deveriam saber sobre as pesquisas que você desenvolve.
Libardo: O GBio2 tem um objetivo, atualmente, que é a geração de produtos biotecnológicos que possam ser transferidos a indústrias. Que nossas pesquisas possam ser aproveitadas pela comunidade ou gerar startups e empresas de base tecnológica da área da biotecnologia.
Assim, buscamos ajudar no desenvolvimento da região onde a UFVJM está inserida. Queremos também colaborar com a fixação de mão-de-obra qualificada na região, que atualmente é muito baixa.