O Brasil tem hoje a terceira maior população prisional do mundo e salta aos olhos o exponencial crescimento da parcela feminina. Nos últimos 17 anos, ocorreu um crescimento de 274% no número de detentos, em geral. Entre 2000 e 2014, registrou-se um aumento de mais de 567% na quantidade de mulheres presas no país.
E quem são essas aprisionadas? Qual o impacto da prisão delas para o meio social em que estão inseridas? Quais as dores elas vivenciam no cárcere? Essas e outras perguntas direcionam os estudos de pesquisadoras do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Crisp), desde julho de 2017, envolvidas na investigação denominada “Amor bandido é chave de cadeia?”, que tem fomento da FAPEMIG. A coordenação é da professora Ludmila Ribeiro do Departamento de Sociologia.
Em março deste ano, o grupo apresentou resultados parciais de visitas, pesquisas, entrevistas e análises feitas em unidades prisionais de Minas Gerais. O estado está atrás somente de São Paulo em quantidade de encarceramentos femininos. Aproximadamente 34 mil mulheres vivem hoje atrás das grades no país e esse número não para de crescer.
As presas e os impactos do cárcere
O encarceramento feminino está ligado a um fator determinante: a guerra às drogas. No país, 62% das prisões de mulheres se devem ao envolvimento com o tráfico. Em Belo Horizonte, especificamente, este número é de 51,8%.
As mulheres presas na Região Metropolitana de BH têm, em grande maioria, menos de 35 anos, sendo 65% de pardas ou morenas, 35% não concluíram nem o ensino fundamental e apenas 25% trabalharam com carteira assinada antes da prisão.
Boa parte das pesquisas do Crisp foi feita no Complexo Penitenciário Estevão Pinto, responsável por abrigar 13% da população prisional feminina de Minas Gerais. A unidade recebe mulheres que respondem a processos criminais em todo o estado.
“Os número nos ajudam a pensar sobre como a prisão impacta a vida dessas mulheres e das pessoas entorno delas. A gente pode pensar em três questões fundamentais. Relacionamento, sustento do lar e filhos”, afirma Luana Hordones Chaves, uma das cientistas do projeto.
Segundo a pesquisa, 77% das presas afirmam que tinham namorado ou companheiro antes de serem presas, mas após o encarceramento 65% estão solteiras. Os números mostram que há rompimento de relações e que as mulheres têm dificuldade em começar novos envolvimentos na condição de encarceradas, sendo que apenas 24% delas inicia laços na cadeia. “Algumas começam a tecer relacionamentos e reestruturar suas vidas dentro do ambiente prisional, já que muitas coisas são rompidas”, explica Luana Hordones.
A situação do sustento do lar também é relevante, pois 36% dessas mulheres eram chefes de família até iniciar o cárcere. “Se a renda delas era muito importante para cobrir as despesas da casa, quando são presas o impacto nas famílias é muito grande”, afirma.
Ao todo, 75% das mulheres presas na Grande BH têm filhos. Grande parte era responsável pela educação e cuidado de menores quando foram para a cadeia. “Esses filhos ficam quase sempre com avós, sobretudo maternas. A maioria não recebe pensão do pai. A prisão das mulheres tem grandes impactos para além do indivíduo preso”, conclui a pesquisadora.
Dores do aprisionamento
Ao estudar mulheres presas, levantam-se algumas particularidades sobre essa população atrás das grades. Quando comparadas aos homens, elas recebem menos visitas na cadeia. As pesquisas mostram que os presos são visitados por mães, irmãs, companheiras e filhas. Já as presas, acabam tendo contato restrito com pessoas do sexo oposto.
Além de não serem visitadas, as mulheres reproduzem um discurso de justificativa a essa condição de isolamento. Elas afirmam que se preocupam com o bem-estar da família indicando que a visita expõe e submete os parentes a situações desconfortáveis, constrangedoras ou perigosas.
Se visita não é um recurso muito usual para as mulheres, elas acabam fazendo uso de outros modos. O número de presas que tem contato com o mundo externo por meio de cartas e telefonemas é bem significativo. Elas recebem itens de higiene e dinheiro pelos pacotes dos Correios.
“É problemático que no caso das prisões brasileiras a rede de relacionamentos externos seja determinante para a manutenção dos afetos, mas também para o acesso a bens básicos que o Estado não consegue suprir”, analisa Luana Hordones.
Por fim, os estudos ajudam a concluir que o peso moral dos crimes das mulheres é maior quando comparado aos dos homens. A prisão recai como “rejeição moral” mais fortemente sobre elas.
Conforme a pesquisa, os desvios femininos estariam relacionados ao descumprimento de papeis de gênero, que confere à mulher o lugar de cuidadora da casa, responsável pela manutenção dos laços familiares e pelo bem-estar de marido e filhos. Portanto, as dores do aprisionamento são maiores para as mulheres, quando se considera o contato com o mundo exterior e a manutenção dos laços.
Teias de Relacionamento
O Crisp também se dedica a pensar sobre continuidades em redes de relações das mulheres após o cárcere. Segundo Natália Martino, cientista do projeto, a ideia é entender como as presas rearranjam suas teias de relacionamento, sob uma perceptiva de que elas têm poder de ação e decisão, ainda que limitadas pelo contexto institucional da prisão.
Assim, o estudo mapeia a posição que essas mulheres ocupam frente às famílias e comunidades delas, antes e depois do aprisionamento. O ponto fundamental analisado pelas pesquisadoras é sustento e despesas.
Fluxo de dinheiro
Mais de 70% das presas tinha participação fundamental na renda familiar, antes do encarceramento. Com a saída dessas mulheres de casa, 60% as despesas passam a ser custeadas por outras pessoas, mas 5% das detentas continuam ajudando no sustento do lar. Este último dado intrigou as cientistas, afinal, como elas participam da renda mesmo estando presas?
O estudo mostrou que elas enviam parte do salário recebido em trabalhos dentro da unidade prisional. No caso do Complexo Penitenciário Estevão Pinto, onde foi feita a pesquisa, as presas participam da produção de bolsas, roupas e joias, entre outros trabalhos.
Recebem menos de um salário mínimo que é dividido em três partes: uma para a unidade carcerária, outra chamada de pecúlio vai para uma conta que a mulher terá acesso quando sair da cadeia e uma terceira parcela, ela acessa mensalmente. É com esta fatia de dinheiro que elas ajudam as famílias.
Receber dinheiro por trabalho na prisão é um privilégio, segundo Natália Martino, de apenas 16% das mulheres que trabalham em unidades prisionais. A maioria tem como retorno apenas a remissão de pena em troca de serviços: a cada três dias trabalhados, um dia a menos no cumprimento de pena.
“A questão do dinheiro é mais óbvia, por causa do fluxo de dentro para fora da unidade, mas analisamos também elementos menos palpáveis. A necessidade de trabalhar – seja para enviar dinheiro ou manter-se dentro da prisão – influencia no comportamento que a mulher tem dentro da unidade prisional. Esses formatos de comportamento viram moeda de troca nas negociações com funcionários da unidade”, afirma Natália Martino.
Existe também fluxo de dinheiro de fora para dentro. Ao todo, 47% das mulheres recebem pacotes dos Correios, o que pode significa acesso a itens para mais conforto na cadeia e um status na hierarquia entre as presas.
Objetos que vêm de fora também viram moeda de troca na cadeia. A pesquisadora explica com um exemplo: elas precisam limpar as celas e há com uma escala entre as detentas. No entanto, se uma delas quer deixar de fazer a faxina, pode oferecer um sabonete ou outro item que recebeu de fora a outra detenta. “Isso é poder se comportar de forma mais confortável na hierarquia entre as presas”, explica Natália Martino. As mulheres também trocam outros serviços como arrumar o cabelo ou fazer as unhas umas das outras.
“Uma prisão não funciona como sistema isolado, tampouco é feito de porosidades. Ela é parte integrante da sociedade e uma série de fluxos contínuos de pelo menos dois sentidos (de dentro para fora e vice-versa) atravessam os muros. Tais fluxos têm características econômicas, afetivas, morais e criminais. Eles são instáveis e dependem das decisões e ações de vários atores. A mulher presa tem margem de atuação nesse contexto, limitada tanto pelas regras institucionais como pelas decisões e ações dos demais atores da rede – esses também constrangidos, em maior ou menor escala, pelas mesmas linhas”, conclui Natália Martino.