Mineiro que é mineiro conhece pequi. Esse fruto nativo do cerrado brasileiro e muito usado na culinária sertaneja. Ele dá cor e sabor ao arroz, acompanha um frango caipira e ainda serve de matéria-prima para óleos e azeites. Mas, a novidade inaugurada no Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal de Viçosa (UFV) é o extrato de pequi servindo de corante para bebida isotônica.
Pesquisadores da UFV desenvolvem, já há alguns anos, bebidas isotônicas – aquelas que nos ajudam a repor água e sais minerais – a partir de um soro obtido da ultrafiltração de leite. A revista Minas Faz Ciência já mostrou essa iniciativa em outras matérias, nas edições 62 e 53, quando foram descritos os processos de produção da bebida a partir do permeado que sobra na indústria de laticínios.
Os cientistas criaram uma composição totalmente diferente dos isotônicos tradicionais e comercializados no Brasil. Esses produtos são compostos por sódio, carboidratos, potássio, vitaminas e minerais, conforme previsto pelos requisitos específicos do artigo 6º da Resolução RDC 18/2010 da Anvisa. São destinados a suplementação alimentar, como forma de auxiliar a hidratação.
Resíduo útil
Já o produto criado pelos pesquisadores da UFV, é baseado em um liquido, considerado como resíduo pela indústria, e que tem boas quantidades de cálcio e outros minerais, além de vitaminas do complexo B. De acordo com a coordenadora das pesquisas, Edimar Aparecida Fontes, o permeado é natural e tem osmolalidade dentro dos parâmetros dos isotônicos comerciais.
“Na indústria, quando é retirada a proteína do leite, após a ultrafiltração, esses minerais hidrossolúveis ficam no permeado. Usar esse subproduto é uma inovação tecnológica para a indústria de laticínios”, explica a pesquisadora.
Durante a produção de laticínios, os leites passam por uma membrana que retém proteína, mas deixa sair esse permeado. O concentrado proteico serve para fazer produtos como whey protein (proteína do soro do leite), no entanto, o permeado tem pouca aplicação. “Vislumbrei que ele tinha essa osmolalidade e juntei esse permeado com corantes naturais para fazer bebida isotônica”, explica a pesquisadora.
As pesquisas, fomentadas pela FAPEMIG, começaram com o uso do permeado sozinhos, depois foram sendo adicionados corantes para dar sabor e aspectos diferenciados aos produtos. Os cientistas já usaram essência de limão, casca da jabuticaba e, mais recentemente, o extrato de pequi.
Mas, calma aí! Ela não tem cheiro nem gosto de pequi. “O gosto do permeado é de soro. Quando fazemos bebidas vermelhas, colocamos sabores de frutas vermelhas que ficam semelhantes aos isotônicos comerciais. Mas, nossos corantes são naturais e conferem características bioativas ao líquido. O pequi serviu somente como corante, mas colocamos o sabor de maracujá na bebida”, explica Edimar Aparecida.
Eles queriam uma bebida com característica amarelada para ser usada como suplemento especificamente para atletas. Por isso, a produção que usou o extrato de pequi é chamada pelos pesquisadores de hidroeletrolítico. Os cientistas diferenciam essa categoria das bebidas isotônicas, pois atua exclusivamente para hidratação de atletas. Comercialmente, os dois tipos são tratados quase que semelhantemente.
Teste com jogadores de futebol
A bebida de extrato da casca de jabuticaba foi aplicada em testes com jogadores de futebol. A pesquisa passou por comitê de ética e iniciou os testes com atletas. Foi um trabalho interdisciplinar em parceria com o professor Leandro Licursi de Oliveira do Departamento de Biologia Geral UFV. O projeto piloto foi com indivíduos treinados, simulando que tivessem participado de um jogo de futebol de 90 minutos. Essas pessoas beberam o líquido e passaram por alguns exames. Foram coletados sangue e urina para análise bioquímica necessária para verificar a efetividade do hidroeletrolítico.
“Verificamos a capacidade antioxidante e as propriedades bioativas. Vimos que a bebida diminui o stress oxidativo, o que pode reduzir lesões em atletas que se submetem a muitos exercícios físicos. O cálcio presente no permeado do leite teria um efeito benéfico, que ainda estamos verificando ao longo da pesquisa’, afirma a coordenadora.
SAIBA MAIS
PERMEADO: a indústria de laticínios pode começar a enxergar este como sendo mais um produtos e não um resíduo. Não existem legislações para bebidas isotônicas com base em permeado do leite. O uso dele é inovador e precisa de mais estudos. Uma das limitações é que o permeado tem lactose, o que poderia ser um problema de consumo para pessoas sensíveis a este açúcar.
OSMOLALIDADE: medida que se refere ao número de partículas de soluto (carboidrato, sais minerais, etc.) presente em um quilograma de solvente (água). Bebidas isotônicas contém osmolalidade entre 270 e 330Osm/kg de água no produto pronto para consumo. O permeado do leite já tem a osmolalidade natural dentro desse parâmetro.