Redes sociais e saúde: hábitos do mundo virtual e as relações com a vida real

A forma como as pessoas se expressam nas redes sociais, pode ter uma correlação com os comportamentos reais em longo prazo? Os rastros e dados deixados na internet podem ser um espelho do mundo real?

Perguntas como essas que nos intrigam a pensar sobre a relação do homem com as ferramentas tecnológicas, principalmente as plataformas de redes sociais, motivaram um estudo de pesquisadores do Departamento de Ciência da Computação (DCC), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Desde 2015, em conjunto com cientistas da Faculdade de Medicina, eles estão envolvidos no projeto: Busca por Correlações Entre Dados Virtuais e Reais: Aplicações na Área de Saúde, que tem fomento da FAPEMIG. A ideia é monitorar a comunicação e interação de pessoas no mundo virtual, coletar dados e correlacionar com o mundo real. O foco dos estudos não são os usuários das redes, mas os conteúdos que eles postam e a forma como essas mensagens permitem mapear hábitos dessas pessoas.

Os cientistas iniciaram a pesquisa observando uma comunidade dentro da plataforma Reddit, que não é muito popular no Brasil, mas extremamente usada nos Estados Unidos. Os pesquisadores monitoraram um grupo chamado “Lose It!”, que está associado a um aplicativo de mesmo nome. As pessoas usam o aplicativo para perder peso e o espaço do Reddit para procurar suporte ou dicas no objetivo do emagrecimento.

“A comunidade que estudamos é basicamente americana, porque eles têm muito essa cultura de grupo de suporte. O Reddit é organizado e tem vantagens para o usuário em relação ao anonimato. Você não precisa registrar quase nada, somente um email. É capaz também de apagar contas. Se falar algum coisa e, depois, quiser que essa informação suma, você apaga a conta. É lógico que essa informação fica guardada, mas desvinculada de você. As pessoas podem também inventar um email fake e usá-lo”, explica a coordenadora do projeto, professora Gisele Lobo Pappa.

Foto: Reddit/Divulgação

Obesidade

Segundo a professora, para pessoas com doenças estigmatizadas – como o caso da obesidade – o anonimato na plataforma de rede social é muito importante. Na comunidade “Lose It!”, as pessoas fazem diários de calorias e planos de perda de peso de forma bem organizada. “Temos ali relatos de idade, peso, altura, além de grande quantidade de informações nos textos de relatos. Assim, conseguimos fazer vários estudos dessa comunidade”, explica Gisele Lobo.

“Vimos muitos testemunhos como, por exemplo, ‘estou tentando perder peso faz algum tempo e não consigo, preciso de ajuda o que me sugerem?’. As pessoas realmente se ajudam, pois a taxa de resposta é muito alta. Nosso estudo mostrou que, as pessoas com post respondido em poucas horas têm probabilidade maior em continuar na comunidade. Na computação, como podemos ligar com isso? Podemos ter um robozinho que espera algumas horas e se ninguém responder, ele vai dar uma resposta automática de suporte para essa pessoa”, detalha a pesquisadora.

Os cientistas não fizeram esse tipo de intervenção no “Lose It!”, mas tinham dados suficientes para criar soluções como essa.

Grupo de suporte

Os dados do Reddit são públicos e a plataforma disponibiliza uma ferramenta de coleta dessas informações. Como a rede tem a característica de anonimato, quase todos os post são públicos, porque as pessoas não se preocupam muito em escrever no privado.

Os cientistas trabalharam com seis anos de dados sobre os participantes do “Lose It!”, assim conseguiram saber o que aconteceu com aquele usuário desde que a comunidade foi criada. Era possível ver se ele relatou perda de peso e se continuava no grupo para ajudar a outros integrantes.

“A comunidade foca muito em suporte. Ela tem competições como o ‘desafio de verão’, no qual se observa quem vai perder mais peso. É uma vigilância online e as pessoas criam vínculos nesse contexto. Diferente do Facebook ou Twitter, é uma rede muito focada no conteúdo. As pessoas não se unem porque viram uma pessoa parecida, mas sim porque buscam conteúdo. Por isso, o índice de respostas é altíssimo. Os usuários têm muito mais respostas a posts do que postagens. É possível ver que a discussão acontece”, detalha Gisele Lobo.

Computação e coleta de dados

Os pesquisadores têm o login de cada usuário e tentam, com isso, criar uma linha do tempo daquele participante. Sabem o que ele postou desde o dia em que entrou na comunidade até o dia que saiu. O grupo “Lose It!” tem cerca de 300 mil usuários, sendo 30 mil deles muito ativos.

Para cada um desses logins, é possível obter estatísticas simples: quantas vezes postou ou respondeu a algum post, número de dias no ano que colocou dados na plataforma ou se escreveu apenas uma vez e nunca mais apareceu.

Num segundo momento, os pesquisadores observam um subgrupo de participantes mais ativos e fazem análises dos textos deles. Separam os post dos comentários e prosseguem com um tratamento semântico da informação. Os posts, geralmente, são para pedido de ajuda ou alguma dica. Os comentários são espaços de suporte ou para respostas de utilidade pública como: ensinar outro participante a substituir sanduíches por refeições mais saudáveis.

“Temos postagens superpopulares com milhares de comentários em pouco tempo. É o que os usuários chama de vitória que não é da balança”, explica a coordenador da pesquisa. São relatos como: “hoje pela primeira vez consegui me enrolar numa toalha de banho”, “consegui abotoar um cinto”, “passei na rua e alguém me olhou não por eu estou gordo, mas porque se interessou por mim”.

“Esses posts são os que mais movimentam a rede e a gente fica muito surpresa quando lê. O exemplo da toalha é muito forte, porque são coisas que a gente nunca pensa como uma grande vitória”, comenta Gisele Lobo. Com a pesquisa, foi possível identificar até mesmo influenciadores dentro da comunidade. Pessoas que postam muito e acabam fazendo o papel de mediadores.

Dados virtuais x dados reais

Os cientistas da computação criaram métodos automáticos para extrair tópicos semânticos de texto. Eles fazem um processamento básico do conteúdo para tirar palavras muito comuns e aplicam o método para agrupar as postagens da comunidade por similaridade semântica (componente do sentido das palavras).

Simplificando um pouco, é possível juntar posts que falam de comida, dieta, receitas, sabores e compulsão alimentar. O método automático é mais complexo que isso, pois faz associações não tão óbvias entre esses assuntos, afinal, ele trabalha além da sintaxe (palavras enquanto elementos de uma frase).

Os pesquisadores tiveram acesso aos tópicos mais falados e os analisaram. De acordo com Gisele Lobo, os temas de suporte, eram de longe, os mais apareciam. Além deles, também se destacam as dicas para melhorar a dieta e postagens com um tom motivacional.  A partir desses conteúdos, buscou-se a correlação com informações de conhecimento na medicina.

“Descobrimos, por exemplo, que postagens de desafios motivam as pessoas a entrarem nisso de cabeça. Funciona como na vida real, como os grupos de suporte que existem. A dinâmica é a mesma”, explica a pesquisadora.

Outro exemplo: as pessoas que pesam mais, como obesos mórbidos, perdem peso mais rápido quando se vigiam. A literatura da medicina já relata isso há anos. Foi possível observar no grupo “Lose It!” relatos que se correlacionavam com essa perda  de peso acelerada devido ao automonitoramento.

A pesquisa também coletou dados percentuais de obesos, pessoas acima do peso e a divisão por sexo entre os usuários da comunidade. “Temos mais mulheres que homens no grupo. Vários estudos da medicina falam que a mulher tem mais preocupação com o corpo e saúde”, explica Gisele Lobo ao justificar a relação entre dados virtuais e reais. Por fim, o estudo revelou que quanto mais ativa na comunidade, mais a pessoa perde peso.

Coletas no Brasil

O grande objetivo é que o estudo agora seja feito em alguma plataforma de rede social ou aplicativo com usuários brasileiros. O desafio é encontrar uma rede social, como o Reddit, em que os dados são públicos e é possível usá-los em pesquisas acadêmicas.

Futuramente, a pesquisa pode evoluir para um projeto piloto em parceria com a Faculdade de Medicina para acompanhar pacientes obesos. Seria um programa de acompanhamento de perda de peso online, nos moldes do “Lose It!”.

“É muito mais barato fazer uma intervenção para pessoa perder peso online porque uma intervenção real precisa de atendimento e alguém qualificado da área de saúde para o suporte. Há estudos que comprovam que se isso é feito online, com o suporte de pessoas que tem problemas parecidos, tem efeito mais positivo”, explica a coordenadora. Claro que o acompanhamento médico nunca seria descartado, mas a pessoa poderia continuar um plano de perda de peso de qualquer lugar com acesso a internet.

Ademais, um projeto sobre o quanto a internet e as mídias sociais podem ajudar no tratamento de doenças ou problemas de saúde pública é de grande interesse para a Medicina, podendo ser ampliado para outras enfermidades.

Estudos dessa natureza fazem parte do que os cientistas chamam de computação social, um esforço voltado para construção de conhecimento científico e computacional que reflitam sobre nossas formas de socialização ou produzam efeitos diretos em grupos sociais e comunidades.

ESTAMOS FAZENDO UMA PESQUISA. PARA PARTICIPAR, BASTA CLICAR NA IMAGEM ABAIXO.

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Luana Cruz

Mãe de gêmeos, doutoranda e mestre em Estudos de Linguagens pelo Cefet-MG. Jornalista graduada pela PUC Minas. É professora em cursos de graduação e pós-graduação na Newton Paiva, PUC Minas, UniBH e ESP-MG. Escreve para os sites Minas Faz Ciência e gerencia conteúdo nas redes sociais, além de colaborar com a revista Minas Faz Ciência.

Um comentário em “Redes sociais e saúde: hábitos do mundo virtual e as relações com a vida real

  • 9 de abril de 2018 em 20:23
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    muito bom o artigo. Gostei !!

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