O presidente Michel Temer assinou, no último dia 16, o decreto de intervenção federal na segurança pública no Estado do Rio de Janeiro. A ação busca dar fim ao caos na segurança que vem dominando o Estado.
Ainda que, durante a história brasileira, as Forças Armadas já tenham atuado em vários Estados nacionais, essa é a primeira vez que, desde que a Constituição Federal de 1988 foi promulgada, um Estado brasileiro fica inteiramente sob o comando de um general do Exército e sob a intervenção do governo federal.
Até o momento, ainda não se sabe de fato como essa intervenção será implementada. Entretanto, o decreto permite o afastamento do secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, Roberto Sá, para dar lugar ao general Walter Souza Braga Netto, que passará, a partir do próximo mês, a tomar decisões sobre a segurança, contando com a submissão total das polícias civil, militar e dos bombeiros.
De acordo com Frederico Couto Marinho, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Crisp), a ação é ousada e seus resultados vão depender da maneira com que ela será implementada.
Em entrevista ao Minas Faz Ciência, o pesquisador explicou que ainda que o governo tenha declaro que o objetivo da intervenção seja conter a violência no Rio de Janeiro, há a possibilidade dessa operação ser falha, caso ela fique restrita aos lugares onde o crime não acontece de fato ou ainda se ela não lidar com o problema do sucateamento da política pública no Estado.
Minas Faz Ciência – O que é a intervenção federal?
Frederico Couto Marinho – Ela é muito mais complexa e pretensiosa que o uso das Forças Armadas, o que já foi feito no Estado. Até então, o que tínhamos é o uso das Forças Armadas em lugares pontuais. Agora, é algo inédito que traz uma certa insegurança, pois coloca toda a segurança sob responsabilidade de uma só pessoa do exército. Por isso, trata-se de uma medida muito ambiciosa. Mas temos que diferenciar duas coisas: uma coisa é o decreto assinado pelo presidente, outra coisa é como vai ser a implementação disso.
Se for dos mesmos modos que já sendo feito, ou seja, focando apenas em determinadas regiões, não vai mudar nada. As áreas que estão conflagradas vão continuar sob a violência. Entretanto, ainda não há informação sobre como que vai ser a implementação. Outro ponto importante é a questão dos recursos destinados aos policiais. Se a ação promover a distribuição desses recursos, pode ser que traga uma mudança significativa. Também temos que observar como vai ser a postura das polícias no enfrentamento com os criminosos.
MFC – É a melhor solução?
FCM – Ainda é cedo para dizer. Só depois de implementada que poderemos fazer uma análise para ver se esse é o caminho correto. Mas sabemos que o Estado não está pagando em dia os salários de seus funcionários. Há um sucateamento da política pública. Nesse cenário, se a intervenção implicar também em recursos, ela pode ser uma alternativa viável.
MFC – O que o governo pode fazer em nome da prevenção do caos? Quais são os limites?
FCM – Ele só pode ir até onde a lei permite e deve agir em prol da segurança da população. Neste caso, por exemplo, se as ações violentarem os direitos das pessoas, a situação vai ficar mais complicada do que já é, pois a população passará a ser vítima de ações violentas por parte daqueles que deveriam conter a violência. Então, mais uma vez, reforço que tudo isso vai depender da implementação.
Se houver, por exemplo, o aumento do número de mortes, veremos que a ação está sendo falha. Por isso é fundamental a vigilância da população, da imprensa, da OAB e de outras instituições. O uso de redes sociais pode ser um aliado nessa vigilância.
MFC – Até que ponto a intervenção federal pode impactar na democracia?
FCM – Essa é uma uma situação de exceção, ou seja, não é uma situação esperada em um contexto democrático. Isso implica que as instituições perderam a legitimidade. O Estado do Rio de Janeiro está passando por um momento de descrédito e isso impacta diretamente na nossa democracia, ainda mais em um país com uma democracia recente e frágil. Por isso trata-se de uma situação que não deve ser expandida.
MFC – Existem interesses políticos por trás dessa intervenção?
FCM – Eu acho que sempre tem interesses políticos, mas não consigo falar exatamente sobre isso. É importante ressaltar, entretanto, que independentemente do interesses políticos, o que interessa é o impacto dessa intervenção. Se aumentar o número de mortes, aumentar a insegurança da população, se a abordagem for violenta, se ferir os direitos da população no geral, essa ação vai ser um tiro pela culatra. Se for uma ação feita na zona sul da capital carioca, por exemplo, será uma ação de fachada, pois a violência maior está nos aglomerados. O que interessa é a prática.