Há mais de dois séculos, Rousseau, por exemplo, propunha uma educação natural e transformadora, pautada no compartilhamento de conhecimentos a partir das necessidades do aluno (educando). Tal abordagem se mantém pertinente para o processo da alfabetização infantil contemporânea. Quem argumenta é o professor Gustavo Araújo Batista, doutor em Educação pela Universidade de Campinas (Unicamp) e pós-doutor na mesma área pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Num artigo publicado em 2011, inspirado na pedagogia de Rousseau, Gustavo e outras duas pesquisadoras da Universidade de Uberlândia (Uniube) defendem que “a criança deve desenvolver-se naturalmente, e assim o fará se oferecermos a ela ambiente apropriado para a observação, o toque, o trabalho, o interesse e a interação com os outros”. De acordo com os autores, a “verdadeira aprendizagem” pressupõe espaço para que a criança conquiste sua própria autonomia e estímulos que despertem nela o desejo de aprender a ler e escrever. Feito isso, afirmam mais adiante, “qualquer método utilizado será indiferente, ou seja, o sentimento pelo desejo de aprendizado se sobrepõe à técnica ou ao procedimento de alfabetizar”.
Gustavo Batista estuda os fundamentos filosóficos da educação com o objetivo de resgatar nos textos clássicos ideias que se aplicam ao âmbito educacional e apresentá-las numa linguagem acessível até mesmo a leitores não iniciados. A pesquisa foi iniciada junto ao Programa de Mestrado em Educação da Uniube, com apoio da Fapemig. Atualmente, conta com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
ESCOLA ACOLHEDORA
No momento, o professor prepara dois artigos inéditos, a partir da obra do filósofo holandês Erasmo de Roterdã (1469-1536) e do legado de Comênio (1592-1670), autor da Didactica Magna – a bíblia da pedagogia ocidental. A escola como um lugar acolhedor, limpo, colorido, iluminado, que desperte o prazer pelo conhecimento e o interesse pelo estudo já era um preceito evocado pelos pensadores dos séculos 16 e 17, lembra o professor da Uniube.
“Os clássicos podem ser estudados para mostrar que a escola não é um calabouço”, afirma Gustavo Batista. Ele enfatiza a predominância de uma “visão esmagadora”, segundo a qual a escola é um “protocolo a ser cumprido”. “Voltar às aulas, não raras vezes, significa um retorno à escravidão”, ilustra, com base nos depoimentos ouvidos dos próprios alunos.
É PRECISO FILOSOFAR
O ensino da Filosofia deveria ser um fator motivador para a busca do conhecimento, mas esbarra num outro problema. Na avaliação do professor, da forma como o currículo está organizado, com carga horária reduzida, a educação se torna instrumental, não conceitual. “Os alunos decoram autores e conceitos, não amadurecem ideias, não as debatem. Com apenas uma aula por semana, o conteúdo é atropelado para aplicar avaliações e simulados”, aponta.
Se a sala de aula ainda está longe de ser o lugar idealizado pelos pensadores clássicos, no ambiente extra-classe é possível estimular os jovens a descortinar o universo filosófico. Gustavo Batista sugere alguns livros que podem despertar o interesse para os clássicos, a começar pelo best-seller de Jostein Gaarder, O mundo de Sofia. “É um livro muito envolvente e ao mesmo tempo profundo. Mostra como a filosofia faz parte do dia a dia e nem sempre nos damos conta”, avalia. Da safra nacional, ele sugere Convite à filosofia, de Marilena Chauí, e Filosofando, de Maria Lúcia Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins. Ambos integram a lista de obras adotadas por pelas escolas brasileiras.
*Na imagem em destaque, ilustração de Orbis Pictus (1658), primeiro livro didático ilustrado, de autoria do filósofo tcheco Comênio