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Você já deve ter ouvido falar sobre a importância do fígado para o corpo humano.  Ele é essencial para as defesa do organismo, digestão, metabolismo, entre outras funções. É a maior glândula do corpo humano e pesa cerca de 1,5 quilo. Muitos cientistas estudam o fígado para desvendar o funcionamento, a constituição e as consequências de lesões. São pesquisas que ajudam a entender essa glândula em nível celular e deixam contribuições, por exemplo, para tratamentos de doenças.

Uma dessas cientistas é a Bruna Araújo David, bióloga que defendeu, em 2016, a tese de doutorado intitulada “Estudo da origem, localização e função de fagócitos durante o repovoamento hepático”. Ela venceu o prêmio Prêmio Capes de Teses 2017, na categoria Ciências Biológicas I, e hoje faz pós-doutorado em Calgary, no Canadá, onde dá continuidade aos trabalhos iniciados no Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Macrófagos do fígado

A pesquisa de Bruna Araújo tem um caminho que conecta os trabalhos desde a iniciação científica até o pós-doutorado. Ela percorreu trajetória da graduação até o doutorado em apenas sete anos. Um itinerário rápido, porém de muito trabalho.

Quando começou no laboratório de embriologia, ela acompanhava o trabalho de doutorandos que estudavam o fígado com foco no entendimento sobre neutrófilos, células responsáveis pela defesa do organismo. Para o projeto de mestrado e doutorado, decidiu, junto com o orientador Gustavo Batista Menezes, focar as investigações em macrófagos, que também são células envolvidas na defesa do organismo e que fagocitam (englobam ou “capturam”) elementos estranhos como, por exemplo, bactérias.

Bruna Araújo fez vários experimentos no primeiro ano de pesquisa e decidiu avaliar as consequências de retirar uma população de macrófagos do fígado e entender como o órgão ficaria depois dessa remoção. Segundo ela, os macrófagos que estão no fígado têm origem embrionária e se comportam de determinada forma. A ideia da pesquisa era retirar essas células e observar se outras ocupariam aquele lugar exercendo funções semelhantes. Esse repovoamento realmente aconteceu com células que se originaram na medula.

De acordo com a pesquisadora, foi observado que depois de um tempo – mesmo com a retirada de macrófagos – o fígado estava funcionando normalmente e com quantidade celular idêntica ao início. Segundo Bruna Araújo, há vários trabalhos sobre substituição de macrófagos, mas nenhuma pesquisa ainda havia mostrado isso acontecendo no fígado. Ela começou a investigar as consequências da substituição de macrófagos. O objetivo era entender se a célula de origem medular faria a mesma função da célula de origem embrionária.

Resultados

A pesquisa demonstrou, então, que novas células povoam o fígado no mesmo lugar e com a mesma morfologia das células embrionárias. De acordo com Bruna Araújo, fica quase impossível distinguir os macrófagos embrionários daqueles de origem medular. No entanto, existe uma janela temporal de 30 a 60 dias para que essas novas células adquiram a capacidade de fagocitar normalmente. Afinal, a principal característica de um macrófago é esta remover bactérias ou outros patógenos que geram inflamações no corpo.

Isso quer dizer que as novas células passam pelo que a pesquisadora chamou de “período educacional”. “A célula sai da medula e aprende a ser macrófago hepático”, explica a cientista. É como fazer adaptação a um país diferente. Ouça a explicação:

Mas, afinal de contas, qual a aplicação de entender esses detalhes sobre repovoamento do fígado? A pesquisa mostrou que no período de repovoamento e “educação”, é preciso ter muito cuidado com o fígado. Um paciente que esteja em tratamento, por exemplo, de quimioterapia ou radioterapia e que passa por esse repovoamento de macrófagos no fígado, precisa de um cuidado especial enquanto as novas células ainda não estão capacitadas a fagocitar. Seria um risco muito grande se essa pessoa pegasse uma infecção, pois as células de defesa do fígado poderiam não estar completamente preparadas para “atacar” uma bactéria.

Quando há retirada de macrófagos, o fígado fica inflamado, justamente no período de educação celular. Mas, a pesquisa de Bruna Araújo também apontou caminhos para minimizar essa inflamação e contribuir para que os novos macrófagos aprendam mais rápido a função de defensores. A cientista explica:

O projeto de Bruna Araújo rendeu parcerias no exterior. O orientador Gustavo Menezes apresentou a pesquisa a um pesquisador de Havard (EUA) e outro de Calgary (Canadá), por isso alguns experimentos foram feitos fora do Brasil. A experiência foi emocionante para a jovem cientista, que nunca tinha saído do país. Até uma vaquinha os familiares dela fizeram para que pudesse viajar. Não é à toa que a pesquisadora tem imensa gratidão aos trabalhos na universidade e acredita na ciência como uma ferramenta poderosa para salvar vidas. Ouça:

A pesquisadora tem também imensa gratidão às oportunidades que o orientador Gustavo Menezes ajudou a criar. Ela acredita no trabalho científico desenvolvido por ele e se inspira para continuar fazendo aquilo que escolheu como profissão. “É um trabalho lindo, muito para ao outro. Embora tenha ego envolvido na ciência, é tudo muito feito para o social. Tiro meu chapéu para pessoas que vivem disso e dedicam a vida.  O Brasil precisa de bons pesquisadores e sempre haverá espaço para eles. Tem que trabalhar duro, sem limites, mas vale a pena”, explica.

Bruna Araújo e o orientador Gustavo Menezes/ Foto: Arquivo Pessoal

A pesquisadora

Bruna Araújo David é graduada em Ciência Biológicas pela UFMG, onde também fez mestrado e doutorado em Biologia Celular. Começou a gostar da área no final do ensino médio e, mesmo com algumas dúvidas no vestibular, decidiu cursar biologia. Ela conta que estudar em uma universidade federal e fazer ciência eram coisas muito distante da realidade familiar dela, mas encarou os desafios em busca do sonho de ter uma profissão. Desde que entrou na UFMG se interessou pelos trabalhos em laboratórios – primeiro no Departamento de Zoologia, onde trabalha com moluscos, depois na Entomologia Médica, onde estudava Leishmaniose visceral e, por fim, no campo da morfologia em que se descobriu uma cientista realizada.

A tese de Bruna está disponível.

PRÊMIO CAPES DE TESE

O Minas Faz Ciência produziu uma série de matérias sobre as pesquisas ganhadores do Prêmio Capes de Tese. Estamos apresentando os trabalhos feitos em universidades mineiras que foram premiados na edição 2017. São teses defendidas em 2016 e agraciadas com a honraria.

1ª matéria da série: Pesquisador de Minas estuda pastores evangélicos como empreendedores

2ª matéria da série: Ensaios sobre energia e mudanças climáticas

3ª matéria da série: Conheça estudo sobre as relações de classe no cinema brasileiro contemporâneo

4ª matéria da série: Cientistas criam moléculas que funcionam como imãs

O prêmio consiste em diploma, medalha e bolsa de pós-doutorado nacional de até 12 meses para o autor da tese; auxílio para participação em congresso nacional, para o orientador, no valor de R$ 3 mil; distinção a ser outorgada ao orientador, coorientador e ao programa em que foi defendida a tese; além de passagem aérea e diária para o autor e um dos orientadores da tese premiada para que compareçam à cerimônia de premiação.

A premiação é dividida por grandes áreas: de Ciências Biológicas, Ciências da Saúde e Ciências Agrárias; Engenharias, Ciências Exatas e da Terra e Multidisciplinar (Materiais e Biotecnologia); Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes e Ciências Sociais Aplicadas e Multidisciplinar (Ensino).

Luana Cruz

Mãe de gêmeos, doutoranda e mestre em Estudos de Linguagens pelo Cefet-MG. Jornalista graduada pela PUC Minas. É professora em cursos de graduação e pós-graduação na Newton Paiva, PUC Minas, UniBH e ESP-MG. Escreve para os sites Minas Faz Ciência e gerencia conteúdo nas redes sociais, além de colaborar com a revista Minas Faz Ciência.

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