Cientistas criam moléculas que funcionam como imãs

Imagine um imã bem grande, do tamanho de um carro! Agora tente visualizar este imã diminuindo e ficando pequenininho, do tamanho de uma molécula! Parece uma missão impossível, certo? É claro que imaginar uma molécula é inviável porque não conseguimos enxergá-las, mas os cientistas criam desenhos representativos para nos ensinar sobre átomos e moléculas.

Um pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolve um trabalho, junto com uma equipe de cientistas, para criar moléculas que funcionem como imãs. Willian Xerxes Coelho Oliveira defendeu, em 2016, a tese de doutorado “Engenharia de Cristais Aplicada na Modulação de Propriedades de Magnetos Moleculares”. O trabalho foi vencedor da categoria Química no Prêmio Capes de Teses 2017.

Nióbio

O foco principal da pesquisa de Willian Xerxes é a investigação da forma como a estrutura molecular e seu empacotamento cristalino influenciam nas propriedades magnéticas de compostos moleculares. Trabalhar com esse tema só é possível devido às técnicas da Engenharia de Cristais, dentre elas a cristalografia. “É possível manipular a forma como os átomos estão conectados em estado sólido e ver como isso interfere nas propriedades magnéticas dos materiais”, explica.

Para a tese de doutorado, Willian Xerxes voltou esforços para trabalhar com o nióbio, um metal pouco usual, porém com grande potencial de produção em Minas Gerais. A partir da década de 1950 foram descobertos pontos de mineração de nióbio no Brasil e no Canadá. Com essas descobertas, a extração cresceu muito e 93% da produção mundial ocorre no Brasil. Cerca de 70% dessa produção nacional provém de uma mina em Araxá, no Triânulo Mineiro.

“Temos a maior reserva do mundo, economicamente viável. A gente vende minério a preço baixo e recompra a preço alto. Podemos transformar esse metal – como material bruto – em outro material interessante e de grande valor agregado. Conseguiríamos exportar tecnologia ao invés de importar”, contextualiza o pesquisador.

De acordo com Willian Xerxes, o nióbio bruto já tem uma propriedade magnética muito relevante, mesmo sem manipulações representativas em laboratório. O grupo de pesquisadores da UFMG, em conjunto com cientistas da Universidade de Valência, publicou um artigo sobre o magnetismo do metal de Minas Gerais, na revista Chemical Communications, o que dá bastante visibilidade aos estudos.

Aplicabilidade

Os pesquisadores estão manipulando átomos de nióbio para que as moléculas desse material se comportem como um imã. Mas, quais a aplicações disso? Para que poderíamos usar esses “imãs-molécula” no cotidiano?

Um exemplo seria a utilização na computação e engenharia. Alguns dispositivos de memória de computadores são compostos por imãs, pois o armazenamento ocorre por meio magnético. A tecnologia está diminuindo cada vez mais esses dispositivos, consequentemente os imãs que os compõem. No entanto, Willian Xerxes explica que existe um limite para essa redução, que poderá prejudicar a capacidade magnética do componente. Esse problema poderia ser resolvido se apenas uma molécula se comportasse como um imã e pudesse ser, ela mesma, o dispositivo de memória.

“Seria uma aplicabilidade para produção de computadores quânticos, que trabalham em nível de átomos e têm altíssimo poder de memória e processamento. Cada molécula funcionaria como um dispositivo interior de memória ou processamento de informação. Não precisaríamos dos imãs clássicos que precisam se diminuídos até o limite”, explica o pesquisador.

Os computadores comerciais também poderiam ser mais potentes, com o mesmo tamanho que têm hoje ou poderiam ser criados computadores bem pequenos – como nanorobôs – em que a molécula seria o dispositivo de memória.

Willian Xerxes e outros pesquisadores da UFMG trabalham atualmente de forma interdisciplinar com outras áreas para ampliar as possíveis aplicações. “Uma ideia seria também produzir imãs compatíveis com os sistemas biológicos”, afirma o cientista.

Existem terapias que usam nanomateriais magnéticos encapsulados para a função de carregadores de remédios para regiões específicas do corpo humano, como por exemplo, áreas atingidas por tumores. Esses nanomateriais são implantados nos pacientes e  chegam às células cancerosas. Depois disso, é gerado um campo magnético externo – com um aparelho específico – que eleva a temperatura no local da lesão. A temperatura aumentada mata o tumor sem afetar células vizinhas. A ideia, com o desenvolvimento da pesquisa de Willian Xerxes, é que moléculas bioativas já poderiam ser, por si só, magnéticas para levar o remédio até a região afetada por câncer.

Uma terceira aplicação seria na área ambiental, aplicando compostos magnéticos na purificação de água, por exemplo. “Boa parte da Química trabalha com processos de catálise, que usa compostos para que uma reação química aconteça mais rápido. Poderíamos produzir catalisadores com compostos magnéticos. Com pouca quantidade seria possível fazer uma imensidão de reações químicas”, explica o cientista.

Para Willian Xerxes, essa interdisciplinaridade é que revela onde estão os problemas a serem resolvidos pela ciência. “A Química tem seus próprios problemas para resolver, mas existem questões que a Física, a Eletrônica e a Biologia não conseguem responder. Nesse caso, a Química pode ajudar, assim nossos estudos ficam focados onde estão os problemas reais”.

Rotina do fazer ciência

O pesquisador passou por dois grandes momentos durante a elaboração da tese: o primeiro com produção em laboratório e o segundo, com trabalho de análise de dados. Mais da metade do tempo de estudo, segundo Willian Xerxes, foi de preparação de materiais, análise estrutural e técnicas de cristalografia.

Em seguida, o pesquisador analisou os dados criados e coletados. Willian Xerxes passou um ano na Espanha (Universitat de València), trabalhando em um departamento referência em magnetismo na área de Química. Lá aprendeu a interpretar propriedades magnéticas. Assim, se dividiu entre a rotina científica do laboratório com a rotina analítica em frente aos computadores.

“Fazer ciência atualmente é buscar formas de resolver problemas. O foco é buscar melhorias para a humanidade, soluções para um mundo melhor”, conclui Willian Xerxes.

 

O pesquisador

Willian Xerxes é mestre e doutor em Química pela UFMG, onde também fez a graduação. Quando ingressou no curso superior queria muito trabalhar em laboratório. Pesquisou, por um tempo, compostos das plantas – para desenvolvimento de produtos naturais – mas, se encontrou como pesquisador em outro laboratório, ao trabalhar com materiais magnéticos.

Na iniciação científica, trabalhou com técnicas de cristalografia. No mestrado, aperfeiçoou a metodologia junto ao magnetismo e no doutorado envolveu a Engenharia de Cristais.

A tese de doutorado completa está disponível. 

PRÊMIO CAPES DE TESE

O Minas Faz Ciência produziu uma série de matérias sobre as pesquisas ganhadores do Prêmio Capes de Tese. Estamos apresentando os trabalhos feitos em universidades mineiras que foram premiados na edição 2017. São teses defendidas em 2016 e agraciadas com a honraria.

1ª matéria da série: Pesquisador de Minas estuda pastores evangélicos como empreendedores

2ª matéria da série: Ensaios sobre energia e mudanças climáticas

3ª matéria: Conheça estudo sobre as relações de classe no cinema brasileiro contemporâneo

O prêmio consiste em diploma, medalha e bolsa de pós-doutorado nacional de até 12 meses para o autor da tese; auxílio para participação em congresso nacional, para o orientador, no valor de R$ 3 mil; distinção a ser outorgada ao orientador, coorientador e ao programa em que foi defendida a tese; além de passagem aérea e diária para o autor e um dos orientadores da tese premiada para que compareçam à cerimônia de premiação.

A premiação é dividida por grandes áreas: de Ciências Biológicas, Ciências da Saúde e Ciências Agrárias; Engenharias, Ciências Exatas e da Terra e Multidisciplinar (Materiais e Biotecnologia); Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes e Ciências Sociais Aplicadas e Multidisciplinar (Ensino).

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Luana Cruz

Doutoranda e mestre em Estudos de Linguagens pelo Cefet-MG. Jornalista graduada pela PUC Minas. É professora em cursos de graduação e pós-graduação na Newton Paiva, PUC Minas, UniBH e ESP-MG. Escreve para os sites Minas Faz Ciência e gerencia conteúdo nas redes sociais, além de colaborar com a revista Minas Faz Ciência.

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