logotipo-colorido-1

AO VIVO

Divulgação Científica para crianças

plataforma de 1 real

Belo Horizonte vai receber esta semana um importante debate sobre: Drogas e Autonomia – ciência, diversidade, política e cuidados. A PUC Minas sediará o 6° Congresso Internacional da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas (Abramd). O evento é uma promoção da Abramd com apoio da CAPES, CNPq, FINATEC e FAPEMIG.

O Minas Faz Ciência entrevistou Rubens de Camargo Adorno, presidente da Abramd e professor da USP. Ele falou um pouco sobre os debates que vão acontecer no congresso: consequências do aumento do uso de drogas prescritas e ilícitas, impacto do consumo dessas substâncias na saúde, políticas públicas propostas para reduzir os danos às pessoas que fazem uso de drogas e desafios dos profissionais que atuam nessa área.

Foto: Arquivo pessoal

Entrevista

MFC: Por que debater drogas e autonomia?

Professor: a palavra droga sempre – como aparece na mídia ou como entendemos no meio acadêmico – está associada às drogas consideradas ilegais ou ilícitas. Dessa forma, a palavra é carregada de um forte conteúdo de origem moral. No entanto, as drogas não são apenas as drogas ilícitas. Álcool e fumo, por exemplo, têm um consumo imenso no Brasil, além das drogas prescritas – como medicamentos. O Brasil figura entre os maiores consumidores de psicoativos farmacêuticos no mundo. Precisamos falar sobre esse consumo muito alto de drogas, não essas demonizadas.

Um segundo ponto é que, as drogas ilícitas sofrem grande manipulação política. São usadas com um sentido político, principalmente de apontar determinados fatos, como o caso das populações de rua. O grande problema dessas pessoas é a exclusão social. De alguma forma, tudo é focalizado como se eles vivessem na condição de rua por causa somente das drogas. A droga também é motivo, mas há um contexto recheado de outros fatores.

Quando a gente fala de drogas, há um olhar sanitarista. Num sentido pejorativo, a gente sempre fala do uso pelos pobres, como se a classe média e a elite não fossem grandes consumidores de drogas ilícitas e lícitas. Muitas vezes, esse consumo aparece como um dispositivo médico da saúde, estimulado como forma de cuidado e está presente em todas as classes sociais.

Outro elemento importante no debate é o proibicionismo e classificação de determinadas drogas como sendo as mais perigosas. Estudos mostram que qualquer droga ou medicamento, dependendo do estado da pessoa consumidora, pode ter grandes riscos. A política proibicionista escolhe um conjunto de drogas sobre as quais realiza uma imagem demonizadora e exerce repressão. A repressão acaba por promover muito mais essas drogas. Em determinados territórios, fomenta as organizações que vendem essa droga clandestina.

É importante também falar sobre as pessoas que têm uso problemático de drogas. A saúde pública faz distinção entre usos e pessoas que têm problemas de uso. Uma parte pequena da população desenvolve problemas de uso – obsessivo ou abusivo. Na esfera política, essas pessoas vão ser cuidadas com base na ideia de redução de danos. Serão cuidadas com diálogo, terapias baseadas na escuta, intersubjetividade, psicoterapias, terapias sociais. A partir desses métodos, encontram-se os meios de controlar e reduzir o uso de drogas. Esse modelo de política pública se desenvolveu na Europa, sendo reproduzido em outros lugares do mundo.

Há também a política de internação e encarceramento, originária do século XIX. Historicamente, foi usada por quem estava no poder dominante para se livrar das pessoas indesejáveis, uma medida política e autoritária. O que se demonstra é que essa política tem baixo sucesso no controle dos usos abusivos. Em uma pesquisa que fiz, recentemente, na periferia sul de São Paulo, encontrei jovens internados mais de 10 vezes num processo de “bate-volta”. Ao uso compulsivo acaba sendo imposta uma atitude de pressão e opressão. Há um circuito de opressão constante e a primeira válvula de escape é retomar ao uso compulsivo.

Enfim, esses pontos que coloquei trabalham o tema drogas e autonomia. Da saúde à segurança pública, existe um contexto complexo. Existe uma constante opressão e vigilância, estimulando alguns usos e condenando outros. As pessoas são expostas a alguns consumos e outros, em contrapartida, são reprimidos e castigados.

MFC: Como a ciência contribui para os debates sobre o uso de drogas na sociedade contemporânea?

Professor: a Abramd tem como lema ciência e diversidade, por isso incentiva os debates. Eu penso que a ciência, muitas vezes, está aprisionada a determinados paradigmas cartesianos e tradicionais nesse campo das drogas. Há um olhar limitado sobre as drogas consideradas ilícitas – algo muito voltado para a psiquiatria tradicional. É preciso pensar além disso, no fato de que o consumo é um ato social, humano. Portanto, um conjunto das Ciências Humanas têm muito o que falar disso: unindo psiquiatria, psicologias, sociologias, antropologias para um campo mais compreensivo.

O problema do uso de drogas envolve mercados legais e ilegais; dispositivos médicos; contextos sociais, étnicos, geracionais; e questões territoriais. A posição da Abramd é estimular discussões com olhares multidisciplinares. A construção de saberes da ciência é estruturado a partir de políticas de poder no campo científico. Por isso, escolhemos um olhar multidisciplinar que trata a questão como complexa, capaz de atravessar classes, sujeitos e territórios.

Por exemplo, a antropologia costuma entrar em contato com o saber de cada um. Cada pessoa ou comunidade tem um saber e o papel da ciência é recuperar esses saberes. A pessoa com uso problemático de drogas é a primeira a desenvolver um saber sobre o uso e os efeitos. Na perspectiva tradicional da ciência, não se considera o saber do próprio usuário. Hoje, outras perspectivas dão voz aos usuários, pois esse conhecimento é extremamente importante para a compreensão dos usos como fenômeno social.

Congresso

Entre os dias 7 e 10 de novembro, o evento reunirá especialistas nacionais e internacionais para discutir a questão do uso das drogas lícitas e ilícitas. Ao todo, oito conferências, dezoito mesas, um Fórum Especial, lançamentos de livros e cerca cem palestrantes irão aprofundar o debate. O evento contará com palestrantes da França, Portugal, Espanha, México, Colômbia, Argentina e Chile.

As inscrições para o 6º Congresso Internacional da Abramd poderão ser feitas no durante o evento. Podem participar professores e pesquisadores, profissionais de instituições de tratamento, prevenção, da educação, de políticas públicas, terceiro setor (ONG´s, associações, OSCIPS) que atuam no campo do álcool e outras drogas. Mais informações no site.

Luana Cruz

Mãe de gêmeos, doutoranda e mestre em Estudos de Linguagens pelo Cefet-MG. Jornalista graduada pela PUC Minas. É professora em cursos de graduação e pós-graduação na Newton Paiva, PUC Minas, UniBH e ESP-MG. Escreve para os sites Minas Faz Ciência e gerencia conteúdo nas redes sociais, além de colaborar com a revista Minas Faz Ciência.

Conteúdo Relacionado