“Projetos de desenvolvimento e inovação não podem parar por falta de dinheiro. Isso desmoraliza a perspectiva de trazer empresas”. A afirmação foi feita pelo presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), Jorge Almeida Guimarães, nesta terça-feira, 18, em conferência sobre a cooperação internacional e o impacto na ciência. A atividade integra a programação da 69ª Reunião Anual da SBPC, realizada até sábado, 22, no campus Pampulha da UFMG.
Durante a conferência, Jorge Almeida mostrou o “lado negativo da cooperação internacional” e apresentou números: 24 países respondem por 84% da produção científica mundial, a partir do número de artigos publicados. O Brasil está em 13º lugar em publicações. “Mas tem que olhar a qualidade”, ponderou o conferencista. Quando o parâmetro é a aplicação de recursos do Produto Interno Bruto na Ciência, o país está na 29ª posição – o percentual é de 1,2% do PIB brasileiro. “Se tem uma correlação precisa, é entre investimento em Ciência e Tecnologia e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)”, destacou. Após a conferência, o presidente da Embrapii concedeu entrevista ao blog Minas Faz Ciência:
MFC: De que cooperação internacional nós estamos falando, exatamente?
O intercâmbio é uma demonstração de que a cooperação funciona e acaba resultando em artigos. Mas nós temos cooperação também no setor industrial. É o que agora nós estamos fazendo com a Embrapii e a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] está começando a ver também que é vantagem fazer cooperação no setor industrial. Nós já temos algo com alguns países. Por exemplo, se uma empresa israelense, francesa, inglesa ou alemã fizer um acordo com uma empresa brasileira, esse projeto sendo desenvolvido numa unidade Embrapii, a gente financia. Esse é o modelo importante para uma cooperação, num patamar muito mais alto do que simplesmente intercâmbio de pesquisadores e produção de artigos.
MFC: O senhor destacou o lado negativo da cooperação internacional e falou de uma cooperação internacional desbalanceada. O senhor poderia explicar?
O que a gente demonstrou aqui é que para tirar proveito da cooperação internacional, que é óbvio que é uma coisa boa, um país precisa também estar preparado. Ele tem que ter feito o seu esforço interno, o que eu chamo de “dever de casa”. Preparar gente, ter grupos de pesquisas qualificados. Senão, o país não tem nada, manda dois estudantes, eles publicam lá com um pesquisador muito famoso e aquilo fica parecendo que é um esforço do país. Isso não adianta nada. Então, a cooperação é desbalanceada no sentido de que tem que ter um um certo nível, que não pode ser despareado demais entre o país que colabora, geralmente o país mais rico, mais desenvolvido, e o Brasil. Então, para isso, o país cooperante tem que fazer um esforço interno de qualificar grupos, de ter o mínimo de pesquisa reconhecida internacionalmente para valer a pena colaborar.
MFC: O que o Brasil precisa fazer, então?
Nós começamos muito tarde. Nossas universidades são muito novas, se comparadas com os países desenvolvidos. A Universidade de São Paulo, que foi constituída como universidade completa desde o começo, foi criada em 1934, 300 anos depois da Universidade de Harvard. Por conta disso, o Brasil teve que fazer um esforço para diminuir essa distância. Isso foi feito criando duas agências Federais, o CNPq e a Capes, depois a Finep. Os estados criaram suas fundações estaduais, em Minas se criou a FAPEMIG. E outros mecanismos foram somando os esforços para capacitar gente, capacitar grupos de pesquisa, enfim, fazer o dever de casa. Isso é o dever de casa. O Brasil fez bem isso.
MFC: O que seria uma cooperação internacional ideal?
A ideal é aquela bastante equilibrada, em que os dois países levam vantagem. O Brasil é muito atraente para a cooperação internacional. Nós temos uma enorme biodiversidade, uma comunidade bastante qualificada em quantidade e qualidade, e temas muito interessantes, tanto no setor de pesquisa básica, quanto na pesquisa aplicada. Outros países que eu considerei [na conferência] não fizeram isso, inclusive nossos vizinhos. Agora, pode ser que com essa crise, o Brasil perca alguns pesquisadores mais jovens. Até então, todo mundo ia e voltava, porque tinha perspectiva no país. Para tirar proveito da cooperação internacional, que é muito aberta. A maioria dos países desenvolvidos querem.
MFC: O senhor disse que cooperação internacional foi bem conduzida quando começou no Brasil, 40 anos atrás. O que mudou?
Ela foi bem conduzida na escolha de bons parceiros. Por exemplo, a Alemanha, a Inglaterra. Os países têm muito interesse no Brasil. Interesse econômico, várias empresas aqui, então fica mais fácil essa cooperação. Mas se nós não fizermos o dever de casa, ela fica ‘aleijada’. Não temos condição de aproveitar bem a cooperação com os países mais desenvolvidos. Quase todos os cientistas da minha geração passaram um período no exterior. Agora, se a gente não tivesse preparado, não adiantava ir para lá. Fazer o que, quando você volta e não tem um infraestrutura?
MFC: Por que áreas de excelência no Brasil desaparecem num cenário de cooperação internacional?
Elas aparecem pouco, a nossa proporção é baixa. Comparada com os países da América Latina, é metade. Comparada com os países que têm muita cooperação, é equivalente a um terço. Mesmo nas áreas que nós temos mais pujança, a cooperação é baixa, ainda. Por falta de visão de governo. Os pesquisadores sabem que a cooperação é importante e eles buscam. Mas você tem que ter os financiadores, tem que dar suporte para isso.