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Foto: Divulgação CNPEM/LNLS

Pesquisadora formada pela UFMG e ganhadora do Prêmio Professor José Leite Lopes de Melhor Tese de Doutoramento, da Sociedade Brasileira de Física (SBF), Ingrid David Barcelos conversou com a Minas Faz Ciência sobre sua carreira, o cenário da pesquisa em Física no Brasil e possíveis impactos de seus estudos na economia.

Durante seu doutorado, ela investigou o que ocorre com as propriedades básicas dos materiais quando eles são misturados. A mescla de dois materiais resulta em um terceiro com novas propriedades e potenciais aplicações econômicas na indústria de eletrônicos, por exemplo.

Atualmente, ela é pesquisadora do grupo de Nanoespectroscopia de Infravermelho no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, SP. Ingrid é a segunda mulher a conquistar o prêmio da SBF e também obteve menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2016, na categoria Astronomia e Física.

Foto: Divulgação CNPEM/LNLS

Gostaria que você situasse um pouco sua pesquisa no campo da Física: se há muitos trabalhos nessa área, qual a infraestrutura de ensino para direcionar os estudantes e o papel do Brasil nesses estudos.

Desde a descoberta experimental do grafeno e outros cristais bidimensionais, em 2004, iniciou-se um novo e rico campo de pesquisas experimentais na física da matéria condensada.

Em paralelo ao estudo das propriedades básicas e únicas que esses materiais de espessura atômica apresentam, um outro campo de pesquisa vem ganhando força nos últimos anos: heteroestruturas e dispositivos eletrônicos feitos a partir da combinação de diferentes cristais bidimensionais.

Minha tese de doutorado insere-se neste contexto e consiste em estudos sobre a fabricação de heteroestruturas formadas a partir de materiais bidimensionais. Meu objetivo foi estudar as propriedades estruturais e óticas dessas estruturas.

A pesquisa só foi possível devido à recente inserção brasileira nesse ramo de pesquisa que trata da combinação dos novos materiais. Essa evolução científica brasileira ganhou força nos últimos três anos devido à troca de conhecimentos com pesquisadores estrangeiros, muitas vezes em períodos de estágios no exterior, como o doutorado-sanduíche.

No entanto, creio que ainda nos encontramos em um processo de aprimoramento deste ramo da física, tentando atingir o nível de pesquisa competitiva que os grupos internacionais dominam.

Sua pesquisa tem aplicações econômicas em áreas como indústria de eletrônicos; como se dá esse processo e quais os potenciais impactos na economia?

Aplicações inovadoras tornam-se possíveis com a criação de materiais artificiais que combinam várias propriedades físicas individuais de cada composto. Através da compreensão das propriedades individuais, é possível criar combinações de nanoestruturas que apresentam novas propriedades físicas.

Uma das vantagens desta abordagem é a capacidade de criar novos dispositivos eletrônicos que poderão executar várias funções simultaneamente, mecânicas, eletrônicas e óticas. Já se pode identificar áreas-chave onde esse tipo de abordagem terá um forte impacto de aplicabilidade como, por exemplo, materiais nano-compósitos ultra-fortes, dispositivos eletromecânicos e confecção de células solares mais eficientes.

Você vem desenvolvendo essa pesquisa desde a graduação? Como se construiu sua relação com o tema do trabalho?

Sim, no terceiro período da graduação o professor Rodrigo Gribel me ofereceu uma oportunidade na iniciação científica e não tenho dúvida que isso mudou a minha carreira. Este professor é o maior motivador que já conheci e muito entusiasmado com a pesquisa científica.

Trabalhamos juntos ao longo de toda a minha graduação, até o mestrado, passando por vários temas de pesquisa e técnicas experimentais. Acredito que essa jornada foi fundamental para a minha formação como pesquisadora e para o meu amadurecimento científico.

Você ingressou no curso de Física já sabendo que gostaria de se tornar pesquisadora ou foi algo desenvolvido ao longo do curso? Para você, os estudantes são devidamente estimulados e informados sobre essa carreira?

Ingressei no curso de física no intuito de me tornar professora. Na verdade, desconhecia a possibilidade de trabalhar com pesquisa. Não se fala em ciência e não existem laboratórios na maior parte das escolas públicas.

Para que o pensamento científico seja uma prática cotidiana na vida do aluno é necessário que a Ciência esteja ao seu alcance, para que ele possa utilizá-la na compreensão dos efeitos que o cercam no seu dia-a-dia.

Como são as condições de pesquisa no Brasil, englobando tanto a carreira de pesquisador, a infraestrutura e o reconhecimento no exterior?

A profissão de físico ainda não é regulamentada no Brasil e o mercado é um pouco restrito. A maioria dos físicos são professores em instituições de ensino que desenvolvem a pesquisa em universidades, centros ou institutos de desenvolvimento científico.

O Brasil é um país que, historicamente, investe pouco em pesquisa e aprimoramento científico. Isso acaba afetando o rumo da carreira de quem opta pelo curso de Física, pois a pesquisa é um campo dependente essencialmente de financiamento governamental.

Porém, mesmo encontrando barreiras econômicas, o Brasil é capaz de formar mão-de-obra qualificada que muitas vezes consegue posições de destaque no cenário internacional.

Você foi a segunda mulher a receber o prêmio da SBF; qual sua avaliação da presença feminina nos campos de pesquisa da física? Como torná-la mais expressiva?

Eu vejo que cada vez há mais mulheres fazendo graduação e pós-graduação e um crescente número de mulheres engajadas em atividades científicas. Acredito que, em curto prazo, o número de mulheres trabalhando com ciência será mais expressivo.

Diagnosticar as dificuldades encontradas pelas mulheres em sua busca de um espaço em terrenos tradicionalmente ocupados por homens é o primeiro passo, além de incentivar mais mulheres a abraçar carreiras no campo da tecnologia e inovação.

Ingrid no laboratório em que trabalha no LNLS. Divulgação CNPEM/LNLS
Sobre o LNLS

O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), uma organização social qualificada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

Localizado em Campinas-SP, o LNLS é responsável pela operação da única fonte de luz síncrotron da América Latina, aberta ao uso das comunidades acadêmica e industrial. O síncrotron brasileiro possui hoje 18 estações experimentais – chamadas linhas de luz – voltadas ao estudo de materiais orgânicos e inorgânicos por meio de técnicas que empregam radiação eletromagnética desde o infravermelho até os raios X.

O LNLS está neste momento construindo o Sirius, uma fonte de luz síncrotron de quarta geração, planejada para ser uma das mais avançadas do mundo. Sirius abrirá novas perspectivas de pesquisa em áreas como ciência dos materiais, nanotecnologia, biotecnologia, física, ciências ambientais e muitas outras.

Sobre o CNPEM

O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização social qualificada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Localizado em Campinas-SP, compreende quatro laboratórios referências mundiais e abertos à comunidade científica e empresarial.

Os quatro Laboratórios do CNPEM têm projetos próprios de pesquisa e participam da agenda transversal de investigação coordenada pelo Centro, que articula instalações e competências científicas em torno de temas estratégicos.

O prêmio e a tese

Instituído pela Sociedade Brasileira de Física, o prêmio reconhece, desde 1997, doutores que tenham contribuído para o avanço do conhecimento da natureza e suas propriedades. A iniciativa tem o propósito de estimular e valorizar o trabalho de pesquisa e ensino na área de física.

O trabalho Estudo de propriedades estruturais e óticas de heteroestruturas formadas por materiais bidimensionais foi orientado pelo professor Ângelo Malachias de Souza, do Departamento de Física, e coorientado pelos professores Rodrigo Gribel Lacerda e Christoph Deneke.

Verônica Soares

Jornalista de ciências, professora de comunicação, pesquisadora da divulgação científica.

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