Texto: Verônica Soares
Tecido bastante dinâmico, o osso se destaca por sua capacidade de regeneração. Porém, quando há grande perda de massa tecidual, o processo regenerativo acaba comprometido. Nesses casos, pode ocorrer a substituição por um tecido cicatricial (box), que, embora seja resultado de um mecanismo de reparação, não supre a função do original.
“No caso dos ossos, isso pode promover um quadro bastante debilitante, tanto para humanos quanto para animais. Dependendo do local lesionado, o animal pode perder os movimentos, ou, até mesmo, parar de andar. O tecido cicatricial não é causa de doença, mas a perda de funcionalidade de um membro pode levar a outras lesões ósseas”,
explica a professora de Cirurgia Veterinária Andréa Pacheco Batista Borges, do Departamento de Veterinária da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Ela coordena uma equipe de pesquisadores que estuda os processos de regeneração óssea em animais, cujo grande desafio é desenvolver material e métodos que propiciem a regeneração óssea mesmo quando há considerável perda de tecido.
À frente do projeto “Desenvolvimento de tecnologia nacional, caracterização e aplicação clínica-cirúrgica de biomateriais e terapia celular”, Andréa Borges estuda a regeneração tecidual por meio do uso de biomateriais (box) em diferentes regiões do corpo, com distintas características e finalidades.
“O biomaterial pode ser obtido de diversas fontes, mas os do tipo sintético têm sido muito estudados, por apresentar vantagens como maior disponibilidade, bio-compatibilidade e homogeneidade no processo de fabricação e na resposta tecidual. Além disso, com o tempo, são degradados pelo organismo”, explica a professora, ao destacar que tal degradação é simultânea à formação óssea. “Ou seja, à medida em que o biomaterial é degradado, o osso se forma naquele local”, conclui.
Biomateriais, em suma, contribuem para a cura de várias lesões ocorridas nos animais. Os estudos desenvolvidos sob a coordenação de Andréa constataram que a regeneração dos defeitos experimentais foi atingida em excelente espaço de tempo, quando comparado à literatura mundial. “O prazo é variável, pois depende da composição do biomaterial. As avaliações foram feitas entre oito e 120 dias. Cada experimento teve um período de avaliação. Além disso, não houve reações adversas nos animais, o que garante segurança e conforto a quem receber o produto no futuro”, destaca.
Metodologia
Para proporcionar a adequada regeneração de defeitos ósseos craniais, desenvolveu-se um cimento ósseo moldável, a partir da cerâmica hidroxiapatita. O material foi aplicado em defeitos de grande extensão no crânio de coelhos, com 15 mm de diâmetro.
Os pesquisadores elaboraram, ainda, um compósito para ossos longos, feito de hidroxiapatita, do polímero policaprolactona e de alendronato, um medicamento utilizado no tratamento de osteoporose capaz de potencializar a regeneração em casos de perda óssea por traumas e excisões cirúrgicas de neoplasias (retirada de uma parte do osso que não está saudável). Nesses casos, realizaram-se lesões na região cortical do osso de 5 mm de diâmetro, na face lateral do olecrano, osso da região do “cotovelo” dos animais, com uso de compósitos de hidroxiapatita (HAP- 91®Plus ) (box) e do policaprolactona, associados ou não ao alendronato.
Um compósito de HAP-91®Plus e do polímero lignina também foi analisado para substituir o cimento ósseo nas implantações de próteses totais de articulação, com vistas a melhorar a osseointegração dos implantes. O implante metálico é fixado na região medular do osso e, eventualmente, pode sair do lugar.
Para avaliar a promoção de maior ancoragem (uma “cola natural” que prende o implante metálico dentro do osso), foram usados pinos de Schanz (box) implantados na tíbia de cães. A hidroxiapatita sintética HAP-91®Plus foi avaliada na manutenção do rebordo alveolar de cães, após a extração de dentes. Já a hidroxiapatita sintética 30% (HAP- 91®Plus) acabou aplicada em diferentes estados físicos, para preenchimento cutâneo em coelhos.
A pesquisa associou a HAP-91®Plus a diferentes polímeros, permitindo que se associem propriedades desejáveis, que não poderiam ser obtidas com apenas um tipo de material.
“Curiosamente, o próprio osso é arranjado como um compósito: a fase inorgânica da matriz confere rigidez, que é associada à flexibilidade da fase orgânica. Isso é importante para o desempenho de sua função: o osso mantém sua forma, sem se quebrar com facilidade”, detalha Andréa.
A capacidade da HAP-91®Plus em promover reparação óssea, por meio de “osseocondução” e de “osseointegração”, já está bem estabelecida, segundo a pesquisadora. Porém, a hidroxiapatita é quebradiça, de modo que sua associação com polímeros permite a criação de um novo biomaterial: “As características individuais de cada material, isolado, como a hidroxiapatita e o polímero, são somadas, e, como resultado, tem-se um material superior”, explica a professora. A técnica amplia as possibilidades de aplicação, além de aumentar a eficácia do produto.
Tecnologia nacional
O desenvolvimento de biomaterial para regeneração óssea é uma tendência crescente no mundo e a equipe de Andréa contribuiu para o avanço da tecnologia criada no Brasil:
“As vantagens do estabelecimento de tecnologias nacionais não estão apenas relacionadas aos custos ao paciente e ao sistema público, mas, também, à simplificação de processos burocráticos e à promoção de autonomia do País nesse campo”, destaca a pesquisadora.
A tecnologia nacional em biomateriais terá adaptação mais adequada a demandas sociais e econômicas brasileiras, o que contribui para melhores resultados em sua aplicação. Destaca-se, também, a independência brasileira de produtos importados na área: “Isso é possível porque o desenvolvimento dos produtos usados é todo realizado com tecnologias mineira e nacional, o que diminui os custos relacionados a tratamentos com material importado”.
Um dos mais importantes benefícios da nova tecnologia é a relação custo-benefício para quem cuida do animal. Andréa comenta que o tratamento depende, única e exclusivamente, de seu tutor. Além disso, relaciona-se à condição financeira do indivíduo e à sua disponibilidade de tempo, dentre outros fatores.
“Ao aplicar uma tecnologia barata, rápida e eficiente, os custos diminuem, o tratamento é mais rápido e eficiente. Dessa forma, o paciente animal se beneficia enormemente”, destaca. Além disso, desde sua concepção, o projeto previa que a pesquisa poderia ser modelo experimental para humanos, já que há grande similaridade entre os processos regenerativos.
O projeto desenvolveu, no Brasil, as técnicas de obtenção e cultura de células-tronco mesenquimais perivasculares do cordão umbilical de cães, para, inicialmente, ser usada na regeneração de defeitos ósseos em associação com uma membrana moldável e reabsorvível.
Atualmente, a pesquisa aponta para a aplicação combinada de biomaterial testado com associação de células-tronco. “O desafio, agora, é acelerar o processo de regeneração, e, até mesmo, de defeitos considerados críticos. Ou seja, aqueles que não regeneraram sem ajuda externa. Também estudamos o uso de biomaterial associado a fármacos, para liberação controlada da substância”, conclui.