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Sobre buracos negros e galáxias

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Uma das palestrantes convidadas para a Campus Party MG, que aconteceu no mês de novembro em Belo Horizonte, foi a pesquisadora Thaisa Storchi Bergmann, professora titular do Departamento de Astronomia do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Sua apresentação, que aconteceu na noite do dia 10, foi, na verdade, um convite para uma viagem pelo espaço. Nessa viagem, passamos bem perto de buracos negros, seu tema de pesquisa.

O estudo que ela desenvolve sobre buracos negros supermassivos têm grande repercussão internacional e a colocaram entre os cientistas brasileiros mais citados no exterior na área de Astrofísica.

Nascida em Caxias do Sul (RS), Thaisa possui graduação, mestrado e doutorado na área de Física. Fez pós-doutorado na Universidade de Maryland (1991) e no Instituto do Telescópio Espacial Hubble (1994), além de estágio sênior no Rochester Institute of Technology (2005).  Presta assessoria ao Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). É membro do comitê diretor do Observatório Gemini, um consórcio de sete países que administra dois telescópios gigantes de alta tecnologia, do qual o Brasil faz parte. É membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS).

No ano de 2015, recebeu o prêmio L’Oreal/Unesco Para Mulheres na Ciência, conferido a somente cinco mulheres cientistas no mundo todo. O prêmio é um reconhecimento a mulheres que têm destaque no meio científico e que contribuíram para o avanço da ciência.

Confira a entrevista concedida ao blog Minas Faz Ciência!

MFC: Imagino que participar de uma Campus Party seja uma experiência diferente para a senhora que, provavelmente, está mais acostumada a falar a colegas pesquisadores ou estudantes da sua área. Qual sua expectativa para a palestra que acontece daqui a pouco?

Acho maravilhoso estar em uma reunião que é uma celebração da tecnologia e da ciência. Porque a tecnologia é um derivado da ciência, se a gente não faz ciência não tem a tecnologia. Eu uso muito a tecnologia para meus objetivos científicos, de estudar as galáxias e os buracos negros. Não fosse a tecnologia, eu não teria minhas observações, que são essenciais para a ciência que faço. Então é uma maravilha essa festa científica e muito legal que não precisa ser um ambiente sisudo. Falta esse ambiente lúdico na ciência. Acho até que a gente pode se inspirar na Campus Party e fazer mais eventos como esse.

MFC: Um desafio: a senhora poderia explicar rapidamente sua pesquisa, considerando que está falando para um público que não é da área?

Eu comecei trabalhando com galáxias que tinham uma fonte de energia no centro e que, no passado, a gente não sabia o que era. Hoje, sabemos que são buracos negros engolindo matéria através de um disco de gás. Eu trabalho medindo os sinais destes discos de gás, dando tchau para o que vai cair no buraco negro. Eu gosto de ver o que está acontecendo com a matéria nas proximidades do buraco negro, aprender sobre a estrutura que o cerca. Existe um disco de gás, que é um disco de plasma, e eu observo as partes mais externas, estudando também o padrão de iluminação, que é produzido pelas regiões mais internas. Então não só as partes mais externas, mas as internas também eu consigo mapear e calcular a massa dos buracos negros. Agora estou em um projeto que concluiu que esse disco externo, de onde tiro muita informação, está presente ao redor de praticamente todos os buracos negros ativos do universo. Então estou fazendo uma observação sistemática de vários objetos desse tipo, aprendendo muito sobre os buracos negros nesse processo e como a matéria cai lá dentro.

MFC: A senhora é uma pesquisadora da área de Física, e não é muito comum ver mulheres nessa área. Em uma entrevista concedida ao programa Milênio, da Globo News, o matemático Marcelo Viana, diretor geral do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), comenta que, nas primeiras séries, o interesse de meninos e meninas pela matemática é semelhante. Mas quando a idade aumenta, o número de meninas que continua a demonstrar interesse pelo tema diminui.  É difícil apontar os motivos para isso, mas a senhora arriscaria apontar alguns caminhos para mudar essa situação?

Acho que o papel da mídia é muito importante. Ela acaba vendendo modelos de mulheres que não são cientistas. A mídia dá mais espaço, por exemplo, para cantoras, atrizes, bailarinas, papeis mais ligados à arte e ao entretenimento. Com isso, eles acabam sendo mais valorizados que o da cientista. Passa um pouco por isso. Por outro lado, é preciso considerar que a imprensa é um pouco o retrato da sociedade, ou mostra o que a sociedade valoriza. Então, acho que precisamos trabalhar esses conteúdos de incentivo às meninas desde cedo e passar essa mensagem de igualdade entre os meninos e as meninas. Os pais deixarem de dar às meninas somente bonecas e cozinhas de brinquedo, para elas brincarem de fazer chazinho, de se “emperiquitar”… nada contra isso, mas não só isso. Começando por aí, desde a educação básica, esse é um papel da sociedade inteira, passando pelos pais, pela mídia, pela escola. Não sabemos até hoje qual o papel da sociedade e da mídia e o que é intrínseco da menina. Mas me parece que a sociedade é influenciadora. Se no início é mais ou menos igual, por que muda? Acho que a sociedade leva para aquele caminho e desvia do caminho da ciência. Dessa forma, somente aquelas muito persistentes, como eu, que continuam.

MFC: A senhora realizou mestrado e doutorado no Brasil, mas depois foi para fora, fez o pós-doutorado no exterior, tem experiência como professora visitante. E então fez o caminho inverso, voltou para o Brasil e trabalha aqui. É possível fazer boa ciência no Brasil, especificamente na sua área de Astrofísica? Existem oportunidades de trabalho e de financiamento?

Hoje em dia está bem melhor que no passado. Temos acesso, por exemplo, ao Gemini, que são telescópios de alta tecnologia. Atualmente estamos meio que em um impasse, porque o envolvimento do Brasil no acesso às tecnologias de ponta na área da Astrofísica cresceu e, agora, queremos ir um passo além, mas a situação econômica do país está um problema. Em princípio, é possível, mas temos que batalhar bastante para conseguir as verbas. Estou muito preocupada com os caminhos, por exemplo, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), nós perdemos o ministério da ciência, tecnologia e inovação. Estou preocupada em fazer alguma coisa, tentar uma interlocução junto ao governo, para não deixar isso descambar para uma desvalorização da ciência e tecnologia (C&T). O Brasil vem em um crescendo, não podemos deixar isso arrefecer. Claro que essa área sofre como as outras, não é só a C&T que está sofrendo um baque, mas estamos preocupados de terem juntado o nosso ministério com o da comunicação, o que não me parece a melhor maneira de fazer o Brasil crescer. E sabemos que ciência e tecnologia são fundamentais para o crescimento de um país.

MFC: Esse passo além que você mencionou seria o ESO (Observatório Europeu do Sul)? Apesar de ter sido aprovado no Senado, parece que o Brasil ainda não fez o pagamento previsto no acordo para entrada no consórcio. Queria, primeiro, saber sua opinião, pois parece que há uma divergência na comunidade de Astrofísica do Brasil sobre a relação custo benefício deste projeto. E, se a senhora for a favor da entrada do Brasil no consórcio, que vantagens vê nessa participação.

Vejo o ESO como um passo além não só para as gerações presentes, mas para as gerações futuras. A astronomia brasileira está crescendo, as universidades estão tendo mais departamentos e professores na área da Astrofísica, então cabe para o Brasil esse passo, estamos prontos para isso. E algo que nós não teremos se não for por meio do ESO é o acesso ao ALMA (Atacama Large Millimeter Array). Por que o acesso ao ALMA é importante? Por que ele trabalha com ondas milimétricas e as moléculas só emitem nas ondas milimétricas. Para tentar procurar vida fora da Terra, fora do nosso sistema, por exemplo, moléculas são o caminho e o ALMA dá conta disso. O ALMA tem um nicho muito importante e, quem sabe, se descobrirmos uma molécula precursora de vida, será o ALMA que vai descobrir. Além disso, eu trabalho com buracos negros e, muitas vezes, eles estão escondidos atrás de um toróide de poeira e gás molecular. O ALMA é o instrumento ideal para chegar perto de buracos negros. Então tenho um interesse grande no ALMA. Sem falar que o ESO vai construir o maior telescópio do mundo, com um espelho de 39 metros. O Brasil faria parte, assim, do consórcio com o maior telescópio do mundo. Acho podemos participar disso e vou continuar batalhando por isso!

Para quem não assistiu, está disponível aqui a palestra de Thaisa Bergmann durante a Campus Party MG.

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