A preocupação com o bem-estar animal começou a ensaiar seus primeiros passos científicos no final do século XX, quando o ser humano passou a compreender sua profunda conexão e responsabilidade em relação às modificações ocorridas na espécie canina.
No princípio, existia uma vinculação utilitária com o ancestral lobo selvagem. Progressivamente, a nova espécie, conhecida como Canis familiaris foi assumindo um papel social mais significativo na vida das pessoas. Entretanto, no final do século XVIII, esta relação estava baseada nas necessidades humanas de mitigar a solidão, a partir da convivência com uma outra espécie.
A capacidade altruística dos cães tornou esta relação cada vez mais prazerosa, considerando-se sua capacidade de doar-se sem reservas e de maneira submissa ao seu dono.
Segundo a veterinária e doutora em Ciência Animal pela UFMG, Sheila Regina Andrade Ferreira, autora da tese Relação Proprietário-cão domicialiado: atitude, progressividade e bem estar, defendida em 2009, a convivência evoluiu quando o animal de companhia tornou-se “objeto de satisfação emocional na vida privada das mais variadas classes sociais.”
Neste momento, destaca a pesquisadora, o homem passou a se envolver gradualmente com o desenvolvimento planejado das raças, treinamento, educação, alimentação e saúde elevando-os ao status de companheiros.
“Hoje em dia”, assinala Sheila Ferreira, “quando a interação resulta em alto nível de afeição, o cão tende a ser visto como um membro da família nas residências urbanas. ” Estudos mostram sua importância como fonte de afeto e de apoio a pessoas que experimentam transições críticas no curso da vida como viuvez, divórcio, saída dos filhos de casa entre outros.
“Qualquer pessoa que conviva intimamente com um cão pode divisar a complexidade dos seus sentimentos, pode reconhecer nele momentos de alegria, outros de tristeza ou ansiedade sem precisar de provas científicas”, ressalta a pesquisadora.
Ainda segundo Ferreira, o filósofo Peter Singer desempenhou papel significativo no impulso inicial do moderno movimento de defesa dos direitos dos animais ao defender a ideia de que só se deve viver uma vida que valha a pena ser vivida. Após este movimento, a Ciência de bem-estar animal desenvolveu-se rapidamente nos anos oitenta do século passado.
Um indivíduo que experimenta dor, sofrimento e prazer, pode ser considerado sob o ponto de vista filosófico um ser senciente, atributo que o torna objeto de consideração moral e obriga ao ser humano cumprir com os seus deveres e atender os seus interesses (Tischler, 1983).
“Os interesses de um cão, por exemplo, podem ser o cumprimento de suas necessidades básicas e comportamentais por parte de seu proprietário e a omissão do atendimento de seus interesses poderá comprometer sua saúde física e mental”, destaca a veterinária.
É recente o reconhecimento, a partir do Código de Ética Veterinária, da necessidade de se evitar o sofrimento desnecessário aos animais. Ainda assim, este sofrimento está relacionado aos aspectos físicos e raramente ao bem-estar e conforto dos cães domésticos.
“Para cumprir efetivamente esses propósitos”, alerta Ferreira em sua tese, “torna-se imprescindível adquirir o conhecimento relativo a dois tópicos importantes: motivação e aprendizado de cães. A obtenção desse conhecimento somente se torna factível se os proprietários e profissionais se instruírem sobre comportamento animal.”
Assim, seria papel dos veterinários oferecer, além do tratamento físico, conselhos profissionais em comportamento, adquirindo competências para identificar problemas comportamentais e propor métodos de redução ou eliminação das causas de um “bem-estar pobre”.
O debate nas universidades
Segundo Ferreira, nas universidades, a temática do bem-estar animal é, em geral, tratada de maneira ambígua. Ela defende “um posicionamento mais coeso e deliberativo, prepositivo à abertura de disciplinas voltadas para o estudo do comportamento e bem-estar animal”.
Para etologistas, os especialistas na ciência do comportamento, o conceito de bem-estar vai além de considerações de desempenho de produção e saúde física, suas necessidades não são somente fisiológicas, mas também comportamentais e psicológicas.
“Se as necessidade do cão não podem ser satisfeitas, os animais podem sofrer intensa frustração e serem acometidos de sofrimento mental”. Este seria o caso, por exemplo, de acordo com Ferreira, de um cão ávido por passeio, mas que permanece preso em sua residência impedido de experimentar estímulos.
Em sua tese, Ferreira ressalta que a Ciência compilou uma quantidade volumosa de conhecimento sobre animais em base científica e tecnológica avançada, contudo ainda se sabe muito pouco sobre o bem-estar mental deles e sobre os fatores que influenciam os fenômenos psicológicos.
“A visão de bem-estar em animal evoluiu inicialmente a partir de critérios de prevenção e controle de doenças e produtividade que refletiam as metas de valores humanos”, lembra a veterinária. “Até recentemente, muita ênfase foi colocada em fatores físicos do meio ambiente, com pouco interesse no bem-estar psicológico de animais”.
Esta situação vem se modificando, a partir dos estudos sobre comportamento animal que colocam os sentimentos como núcleo a partir da perspectiva dos cães e não dos seres humanos.
Estima-se que no Brasil existam 31 milhões de cães e de 15 milhões de gatos que em 2007 apresentaram um consumo potencial de 3,96 milhões de toneladas de alimentos, sendo o faturamento do mercado de animais de estimação em torno de US$ 4,1 bilhões, além de gerar milhares de empregos, na indústria e no comércio de alimentos, medicamentos e acessórios (ANFAL, 2008)
A produção de conhecimento científico objetivo visando propiciar uma vida melhor para o companheiro animal tem causado interesse crescente do meio científico. A relevância das pesquisas consiste em proporcionar bem-estar a essas duas espécies – ser humano e o cão – e melhorar o tratamento dispensado ao animal que depende da qualidade desta influência mútua, destaca Ferreira.
Atitudes pelo bem-estar
Entre as atitudes de um dono preocupado com o bem-estar de seu melhor amigo estão:
- Oferecer alimentos de qualidade e moderadamente
- Cuidado com as vacinas
- Passeio diário
- Visitas periódicas ao veterinário
- Brincar com seu animal
Saiba mais:
- Especialistas falam sobre a relação dos humanos com os cães
- Conceitos de bem-estar animal
- Anais do XXXI Encontro Anual de Etologia – resumos
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Verdades sobre o bem estar animal, VOCÊ SABIA? (Vídeo)