“Estamos nos tornando corpos intolerantes. Essa mistura entre carbono e silício, ou seja, entre corpo e tecnologias, não acontece de maneira harmoniosa”.
A afirmação de Graziela Andrade, bailarina e professora adjunta do curso de Licenciatura em Dança da UFMG, no departamento de Fotografia, Teatro e Cinema da Escola de Belas Artes. A observação da pesquisadora, doutora em Ciência da Informação, vem ao encontro da angústia do excesso de tecnologia a que estamos relacionados diariamente.
Ela observa que, na atualidade, somos treinados em nossos trabalhos, escolas, no lazer e em quase todas as instâncias de nosso dia a dia, a lidar com uma troca de informações condicionada pela compressão do espaço e do tempo. “Quando as coisas não acontecem na velocidade que desejamos ou esperamos, quando o corpo está presente de maneira real e não digital, quando precisamos dar conta de um tempo lento e de um espaço longo, aí parece que temos perdido habilidades e que o reconhecimento da alteridade tem se tornado bastante problemático”, explica Graziela, cujas pesquisas permeiam os aspectos que tangem ao corpo, às tecnologias e ao espaço, temas frequentemente analisados a partir de experiências no campo da dança.
Desde o mestrado, ela desenvolveu estudos que relacionam o corpo, a informação e as tecnologias, mas foi no doutorado, ao trabalhar com a perspectiva semiótica de Charles Sanders Peirce, que a informação passou a ser vista como constituinte do corpo: “O corpo é feito de informações, atravessado por elas, sempre em fluxo, sempre incompleto e em processo”, explica. Uma questão que permanece em suas investigações é pensar como essa relação corpo-informação vem sendo modificada diante do excesso de informações que produzimos e consumimos atualmente, em meio a toda a velocidade que as tecnologias acabam “impondo”. Daí os corpos intolerantes do primeiro parágrafo.
“Estamos tendo muito mais contato com sujeitos de “corpo ausente” do que com pessoas de “carne e osso” e talvez, com isso, estejamos ainda mais intolerantes às diferenças”, pontua a pesquisadora, a partir de suas observações acerca do comportamento humano em redes sociais digitais. Segundo ela, a dança pode andar na contramão disso, ao menos em parte, pois é um ato que clama pelo corpo, acontece nele e por ele. “Nesse caso, o corpo é o ponto de partida, é sujeito e também objeto”.
Graziela explica que, no campo da dança, percebe-se, desde o final do século XIX, uma tentativa de reflexão sobre um corpo que não siga os princípios cartesianos, que não se separe da mente e que possua uma existência que seja, em si mesmo, pensante – subvertendo a famosa frase de Descartes “Penso, logo existo”. “Este corpo que é sujeito-objeto no e do mundo, a meu ver, tem uma grande potência crítica para experimentar e refletir sobre suas aproximações com as tecnologias. Não quero dizer com isso que os bailarinos estejam “imunes” aos efeitos das tecnologias sobre o corpo. Ninguém está! Mas, enquanto campo de pensamento e do fazer artístico, acredito que a dança tem muito a colaborar no que diz respeito a essa grande questão: que corpo somos?”.
A bailarina defende os estudos a partir de uma “indisciplina calculada”, que permita o desenvolvimento de pesquisas com aportes científicos estruturantes, mas que naveguem por áreas diversas e consigam estabelecer pontes convincentes entre si. “Em se tratando de corpo, acho até que não há outro caminho senão esse”, afirma. “Corpo é um assunto sem fim, pois está sempre se fazendo corpo. É mais uma vez a noção de que não existe separação entre sujeito e objeto, entre corpo, mente, alma, espírito. O corpo é irrepetível e está se construindo na relação com o mundo, na existência. Diria que é preciso estar atento aos modos como experimentamos o mundo. Afinal, qualquer definição é um ato passageiro da experiência”.
Esse é um trecho não publicado da reportagem de capa especial da Revista Minas Faz Ciência nº 62, sobre corporeidades.
Para ler o texto na íntegra, acesse: issuu.com/fapemig.