O sonho da casa própria circula no imaginário da sociedade brasileira e, nos últimos anos, ganhou impulso com subsídios do governo federal, a exemplo do programa “Minha Casa, Minha Vida”. A efetivação deste sonho, contudo, enfrenta desafios que vão além da aquisição do imóvel e esbarram na baixa qualidade das habitações em oferta no País. Nos estudos de Arquitetura e Urbanismo, a Habitação de Interesse Social (HIS) é tema presente em discussões e pesquisas que buscam refletir sobre a melhoria da qualidade dos modelos de imóveis disponíveis para aquisição por famílias de baixa renda.
Neste sentido, o projeto “MORA [2]”, desenvolvido na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), apresenta contribuição interessante, por meio da proposta de inovação tecnológica para unidades residenciais de baixo custo, sob a ótica da flexibilidade espacial. Coordenado pela arquiteta e pesquisadora Simone Barbosa Villa, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFU, o atual projeto é a continuidade de pesquisa que tratou de proposições de projetos sob a ótica da flexibilidade – e batizado de “MORA [1]”.
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“Pensamos a flexibilidade dos espaços da proposta habitacional em várias escalas, considerando o interior do imóvel, o lote e o bairro, no sentido de atender a diferentes tipos de famílias”, explica Simone Villa.
Para propor projetos flexíveis, a equipe estuda e desenvolve sistemas construtivos e soluções, tanto de Design, quanto de Arquitetura e Urbanismo, de modo que o projeto final seja adaptável a diversas realidades. Os modelos também consideram o aumento da expectativa de vida e o ciclo familiar da atualidade, que prevê o convívio de diversas gerações em um mesmo ambiente.
O trabalho é fruto de 20 anos de envolvimento acadêmico da professora com o tema da habitação de interesse social e da busca por soluções de moradia mais adequadas aos diferentes contextos sociais, geográficos e culturais do País. A pesquisa “MORA [2]”, em especial, partiu da observação da baixa qualidade arquitetônica e urbanística das habitações de interesse social do “Minha Casa, Minha Vida”. Na avaliação de Villa, “os imóveis ofertados atendem de forma precária às necessidades de seus usuários, assim como apresentam um modelo urbano e de habitação falido, com impactos negativos a cidades”.
Uma das críticas do projeto refere-se ao fato de que o desenho das habitações permanece praticamente o mesmo há décadas, apenas com variações de cunho construtivo, sem que a função e a articulação dos espaços de habitar sejam questionadas.
“Fatores como a diminuição no número de membros, a consequente alteração de papéis com a redistribuição da autoridade – ou mesmo a falta de consenso sobre quem realmente é o chefe –, o aumento no número de mães trabalhando fora e a independência cada vez mais acentuada de seus membros indicam a necessidade de revisão dos modelos tradicionais de morar”, destaca Villa, em artigo publicado sobre a pesquisa.
Além de discutir o processo atual de produção das moradias, o projeto prevê soluções mais adequadas e menos impactantes aos novos modos de vida da população, dos pontos de vista ambiental e social. Em sua primeira etapa, o MORA destinou-se a famílias de renda entre três e cinco salários mínimos, contemplando a fase de construção e verificação de um protótipo. Já a segunda etapa se destina a famílias com recursos mensais de zero a três salários mínimos, buscando maior adensamento do projeto. “Pretendemos nos apoiar na inovação tecnológica, tanto na implantação, como na escolha de seus sistemas construtivos e materiais”, detalha a coordenadora.
Do ponto de vista metodológico, a proposta foi estruturada a partir de pesquisas de avaliação pós-ocupação, de estudos sobre a atual produção das habitações de interesse social e de referências positivas no campo das habitações, dentro e fora do Brasil. A atividade parte de pesquisa teórica, mas tem, como objetivo final, a construção de protótipos – etapa, aliás, ainda não realizada. Neste sentido, a equipe busca parcerias para viabilizar a proposta, com empresas privadas e governos municipais, para que resultados sejam revelados tanto à sociedade, por meio da divulgação de soluções, quanto aos gestores de políticas públicas.
A pesquisadora destaca, ainda, que a produção das habitações deve ser controlada por órgãos de planejamento estáveis e técnicos, que possam avaliar o ciclo de planejamento, construção, uso, manutenção, intervenção e reuso de espaços e materiais. “As propostas projetuais ‘MORA’ [1] e [2] são viáveis, desde que sejam compreendidas nesta dimensão global de seu ciclo de vida”, conclui.
Texto originalmente publicado na edição nº 60 da Minas Faz Ciência. As imagens publicadas são meramente ilustrativas.
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