O novo código florestal e os desafios de sua implantação
Pouca gente sabe, mas 53% da vegetação nativa em território brasileiro está em áreas privadas. São 5 milhões e 600 mil propriedades rurais espalhadas pelo País. Diante de tais números, a noção de que as florestas e matas originais brasileiras permanecem nas mãos de proprietários rurais toma outra proporção. A boa gestão dos territórios florestais é necessária para além da produção de oxigênio e do papel vital que desempenham na manutenção dos ecossistemas: afinal, está também diretamente relacionada a questões como as mudanças climáticas e o desenvolvimento da agricultura e da pecuária no Brasil.
Neste sentido, o Código Florestal Brasileiro cumpre papel central na regulação do uso da terra e na gestão das propriedades. Em artigo publicado na revista Science, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) buscaram quantificar as mudanças resultantes de revisões no Código, considerando as obrigações e os direitos concedidos a proprietários de terras.
Entre seus pontos mais controversos, está a anistia conferida aos proprietários rurais que desmataram áreas protegidas até 2008. Ao mesmo tempo, contudo, o documento desenvolveu mecanismos para a conservação florestal. A implantação efetiva das novas regras é um desafio que envolve distintos campos do conhecimento e demandam compreensão transdisciplinar do processo.
O primeiro grande desafio reside no reconhecimento dos potenciais ganhos do novo Código para o agronegócio. Embora sejam muitas as críticas à legislação florestal, o tom da pesquisa coordenada por Britaldo Silveira Soares-Filho, professor titular do Departamento de Cartografia do Instituto de Geociências da UFMG, não é apocalíptico.
Fruto da necessidade de compreender o conceito de uso da terra, o estudo envolve desde a modelagem computacional como orientação para a expansão agrícola – compreendendo o que existe de terra disponível para a expansão das florestas plantadas ou de atividades como a pecuária e a agricultura –, até as políticas públicas e suas potencialidades. Em todos os casos, as restrições nos termos da lei são o ponto de partida.
ENTENDA: Preservação ambiental é um conceito mais restrito, ligado a áreas protegidas e intocáveis, que se referem à necessidade de isolar regiões para que o ambiente permaneça o mais natural possível, com mínima interferência. Já a conservação baseia-se em visão mais pragmática: permite-se o uso da terra, mas de forma que se conservem os recursos naturais para as gerações futuras.
“Para ter a correta dimensão do uso da terra, é preciso saber o que existe de passivo, ou seja, as áreas que precisam ser recuperadas, e o que existe de ativo, ou onde se pode fazer o desmatamento legalmente”, explica Soares-Filho. Para o pesquisador, as motivações iniciais eram de ordem técnica: começou-se a estudar os impactos do antigo Código Florestal e de sua nova versão na disponibilidade de terra para a agricultura.
De posse de instrumentos que permitiam realizar análise complexa, considerando o território brasileiro como um todo, o grupo desenvolveu metodologia baseada na coleta e na análise comparativa de dados fornecidos por censos agropecuários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Chegou-se, então, a uma estimativa dos benefícios e prejuízos do Código Florestal Brasileiro para a conservação das florestas, por meio do programa Dinamica EGO, software desenvolvido pelo Centro de Sensoriamento Remoto do Instituto de Geociências que permitiu a análise comparativa entre as duas regulamentações.
“As alterações do código foram propostas sem que se soubesse a real dimensão de suas consequências, a partir de interesses e estudos que indicavam caminhos, mas de maneira superficial”, explica Britaldo. À época das mudanças no Código Florestal, o pesquisador e sua equipe trabalhavam em parceria com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que também buscava compreender os impactos dos novos termos da lei, principalmente, em relação à redução das obrigações dos proprietários rurais.
Ciente de que a ciência pode caminhar em passos mais lentos do que as políticas públicas, o grupo acompanhou a discussão, mas só concluiu a pesquisa quando a nova lei já havia sido publicada. Em abril de 2014, o artigo na Science, intitulado Cracking Brazil’s Forest Code, veio acompanhado de uma série de discussões sobre a efetividade de regras que ainda não haviam saído do papel. “Coincidência ou não, duas semanas depois da publicação do artigo, saíram os decretos de regulamentação do novo Código”, destaca outro autor da pesquisa, o professor do Departamento de Engenharia de Produção da UFMG, Raoni Guerra Lucas Rajão.
O pesquisador avalia os mecanismos de registro e monitoramento das propriedades rurais como grandes avanços, que vão além do simples cumprimento da lei ou da penalização de proprietários rurais. O novo Código, afinal, também considera exigências de comercialização e incentivo à produção em áreas registradas. Diante dos dados analisados, Soares-Filho e Rajão defendem que a ideia de que a conservação ambiental pode barrar a economia agrícola do País é infundada, pois há alternativas para que os agricultores cumpram a lei e recuperem as áreas devastadas, a exemplo da compra de Cotas de Reservas Ambientais (CRAs).
Texto originalmente publicado na edição nº 59 da Minas Faz Ciência.
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