De acordo com a quarta edição da pesquisa sobre “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil”, cerca de 78% da população brasileira se considera interessada ou muito interessada por assuntos relacionados a medicina e saúde. Quando falamos de ciência, tecnologia e inovação, esse percentual pode chegar a 61%. Logo, a união desses temas desperta o interesse do público e também intensifica a realização de pesquisas que buscam respostas para os problemas da medicina contemporânea.
Com financiamento da Fapemig, pesquisadores do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) investigam os usos de nanopartículas no tratamento do câncer. Sob a supervisão da pesquisadora Edésia Martins Barros de Sousa, o também pesquisador Thiago Hilário Ferreira desenvolveu um estudo baseado nos conceitos da nanotecnologia em busca de novos materiais para o combate aos tumores.
Como funciona?
Nanotubos de nitreto de boro são sintetizados no laboratório do CDTN e acoplados a moléculas, de modo a serem direcionados ao tumor. As nanopartículas, ao entrarem na célula, passam por um processo de terapia de captura de nêutrons, que irradia o tumor com feixes de nêutrons, ativando os átomos de boro presentes no nanotubo. Em termos mais simples, isso significa que a nanopartícula é utilizada para atacar de maneira direta o tumor, matando-o localmente, por dentro da célula.
Confira o vídeo em que os pesquisadores explicam a pesquisa:
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=ybNUeqjXsC8]
O Blog Minas Faz Ciência entrevistou a pesquisadora Edésia de Sousa sobre os benefícios do tratamento e as próximas etapas da pesquisa. O estudo também será apresentado durante o Inova Minas, evento que será realizado nos dias 23 e 24 de novembro, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte.
Clique aqui para saber mais sobre o Inova Minas e confira abaixo a entrevista:
Blog MFC: Quais são as barreiras atuais para que as pesquisas em nanotecnologias se tornem, de fato, soluções no tratamento e combate de doenças junto à população?
Edésia de Sousa: Os mecanismos de interação dos diversos tipos de nanomateriais com diferentes células humanas ainda precisam ser mais bem elucidados. Os mecanismos que esses materiais desencadeiam nas células são questões chave para atuarem no diagnóstico e/ou tratamento de diversas enfermidades.
Outra questão chave, que também está ligada ao mecanismo de interação, se refere à citotoxicidade desses materiais [toxidade na célula]. Embora muitas pesquisas indiquem que alguns nanomateriais sejam biocompatíveis, é preciso mais estudos e pesquisas aprofundadas para melhor aceitação dessa classificação. Outro problema comum em nanomateriais é a forte tendência para formação de aglomerados; embora já se tenha progresso para se contornar esse problema, ainda precisamos melhorar essa característica.
Blog MFC: No caso da pesquisa realizada, os nanotubos podem ser utilizados para o combate de qualquer tipo de câncer? Com relação a outras doenças, há potencial de uso para tratamento e/ou prevenção?
ES: A princípio, a nanotecnologia poderia ser aplicada a qualquer tipo de câncer, mas a aplicação dos nanonotubos e/ou nanomateriais em geral, como agentes terapêuticos, deve ser direcionada para cada tipo de tumor devido às peculiaridades de cada problema. Este direcionamento pode ser realizado por meio da funcionalização de sua superfície com biomoléculas como proteínas, peptídeos, aptâmeros e anticorpos específicos que reconheçam especificamente células ou tecidos de interesse.
Com relação a outras doenças, várias possibilidades de uso dos nanotubos podem ser citadas, como o tratamento de doenças de retina, de doenças pulmonares como a fibrose, de retinopatias diabéticas, inflamações, doenças gástricas crônicas, tratamento de leishmaniose e até mesmo o uso como plataforma para adjuvantes de diversas vacinas tem sido foco de muito desenvolvimento científico.
Os cânceres cerebrais são os mais complicados de tratar, devido à barreira hematoencefálica que restringe bastante a entrada de agentes na circulação cerebral, mas a nanotecnologia apresenta características que permitem que alguns nanomateriais atravessem essa barreira.
Blog MFC: Como as nanopartículas atuam no organismo humano e quais os principais benefícios em relação aos tratamentos convencionais? Nos testes já realizados, é possível identificar algum tipo de efeito colateral ou outras consequências que não estejam relacionadas ao combate do tumor?
ES: Alguns sistemas de nanopartículas podem ficar um longo tempo na circulação sanguínea, sendo afetadas pelo sistema fagocitário que, geralmente, tira elementos estranhos de circulação no sangue. Ficando um tempo suficiente em circulação, as nanopartículas podem se acumular seletivamente em regiões de inflamação e regiões tumorais devido à porosidade aumentada nessas regiões.
Esses materiais podem atuar como sistemas de entrega controlada e específica de fármacos ou radioisótopos em regiões tumorais e inflamatórias, sendo conhecidos como drug delivery systems. O principal benefício em relação aos tratamentos convencionais é a entrega específica nos órgãos danificados, o que reduz ou até elimina efeitos colaterais causados pela atuação das drogas convencionais em tecidos sadios.
Apesar do avanço no desenvolvimento de nanomateriais aplicados à medicina, o potencial efeito na saúde humana devido à exposição prolongada ainda não foi estabelecido. Uma das principais preocupações diz respeito ao comportamento das nanopartículas frente a membranas celulares, ou seja, a facilidade de penetração destas quando comparadas a diversas outras moléculas ou fármacos, o que pode ser alguma indicação de efeito tóxico.
É importante destacar que esta preocupação se estende a outros segmentos. Com a manipulação química para obtenção das nanopartículas e descarte de resíduos em ambientes naturais sem controle, não se sabe ao certo os potenciais riscos desses nanomateriais em contato com seres humanos e ambientes aquáticos ou terrestres, incluindo os potenciais riscos à agricultura.
Blog MFC: Como estão as negociações para tornar o material viável para uso em larga escala? Já conseguiu fechar parcerias que visem à comercialização?
ES: A primeira iniciativa do nosso grupo de pesquisa (Laboratório de Materiais Nanoestruturados para bioaplicações do CDTN – LMNB/CDTN) está acontecendo agora, neste evento da FAPEMIG. Esperamos despertar o interesse de parceiros que nos ajudem na tarefa de tornar esse material viável comercialmente, além de realizar mais estudos necessários para que ele possa ser aplicado em benefício da sociedade.
Blog MFC: Dentre os próximos passos previstos para a pesquisa, já existem testes feitos em animais e humanos? Quais as próximas etapas?
ES: Os próximos passos incluem o entendimento do comportamento do material no organismo como um todo, bem como investigação pré-clínica em animais. Estudos in vivo devem avaliar os efeitos da nanoestrutura sobre os parâmetros sanguíneos e também sobre as funções hepáticas e renais. Um estudo piloto realizado em coelhos por um grupo com quem colaboramos, no Instituto Italiano de Tecnologia (IIT) de Pisa não revelou nenhuma toxicidade aguda após administração única de doses elevadas de BNNT.