Quando o homem buscava imaginar o futuro, principalmente, o século XXI, a ideia de um mundo povoado por robôs, que realizariam todo tipo de atividade, estava bastante presente. Dos desenhos animados, aos filmes de ficção científica, passando contexto acadêmico, a relação entre homens e máquinas desperta inúmeras questões, que vão das vantagens na execução de tarefas cansativas, aos receios de que essas interações possam sair do nosso controle.
Diante desse contexto, os professores Erickson Rangel do Nascimento e Douglas Macharet, do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG, elaboraram um estudo que busca refletir e propor soluções para a interação entre homens e robôs. O projeto “Navegação socialmente aceitável de robôs em ambientes com a presença de humanos”, que tem o apoio da Fapemig, da Capes e do CNPq, conta ainda com a participação de Phelipe Vasconcelos e Henrique Pereira, bolsistas de iniciação científica.
A pesquisa, realizada no Laboratório de Visão Computacional e Robótica (VerLab), do DCC, parte da premissa de que, diante do crescimento do número de robôs na sociedade, é preciso controlar o comportamento dessas máquinas. E um dos primeiros aspectos a se trabalhar é a questão do reconhecimento, pelo robô, do ser humano no ambiente. É preciso que ele saiba diferenciar uma pessoa de um objeto e, assim, executar seu movimento (navegação) de maneira adequada.
De acordo com o Douglas, a robótica vem entrando em uma nova fase, que tem como destaque a área de estudos em Interação Humano-Robô (IHR).
“A robótica se popularizou por sua inserção na indústria, por exemplo, a automobilística com seus braços mecânicos, manipuladores, muito voltados para a área de automação. Atualmente, uma área que vem crescendo é a da robótica móvel. Desde a década de 90, esses robôs já vêm se popularizando e, hoje, um exemplo disso são os drones e os carros autônomos. Agora, estamos entrando numa nova fase em que esses robôs começam a interagir em espaços onde o número de pessoas é maior. Sendo assim, superados os desafios iniciais, que eram fazer o robô andar, se locomover, agora é preciso torna-lo apto a lidar com uma nova realidade que é esse espaço de interação entre humanos e robôs”, explica.
Para tanto, uma questão importante a se trabalhar é a percepção do ambiente. Como o robô irá perceber e reconhecer os elementos presentes no seu entorno? Daí “surge” a interação entre as duas áreas: a robótica e a visão computacional. De acordo com Erickson, a partir de técnicas de visão computacional, é possível reconhecer e analisar o ambiente, tendo em vista características importantes como a presença de humanos, quantidade, e distância dessas pessoas em relação ao robô.
“Como vamos trabalhar a percepção do robô? Ele vai enxergar aquela pessoa como um objeto? O que buscamos trabalhar nessa etapa projeto foi permitir ao robô, quando em movimento, perceber objetos, que eram obstáculos de fato, e perceber outras coisas que não eram objetos, ou seja, entender que ali estava uma pessoa. E mais, nesse caso, especificamente, ele sabia se era uma pessoa, se eram duas, ou mais”, conta.
A partir dessas informações, obtidas através do uso de uma câmera (visão), começa-se a trabalhar como a navegação do robô deverá proceder. Dependendo das características da cena, são feitas adaptações que modificam a trajetória do robô, assim como sua velocidade de navegação.
“Quando o robô está navegando só, ele pode andar rápido, pode tomar decisões mais bruscas, para ser mais eficiente. Agora, se ele encontra alguém no caminho, a coisa se modifica. Um pouco da nossa ideia é de que o robô esteja quase imperceptível naquele ambiente. Isso para que a pessoa não fique com medo ou não queira o robô por perto. Muitas vezes, as pessoas podem até achar que ele não está funcionando direito por causa disso e ele pode até estar funcionando corretamente, só que pode haver a percepção de que ‘ah, ele veio pra cima de mim’, quando, na verdade, ele estava buscando apenas o caminho mais rápido”, pontua.
Para Erickson, esse temor se deve em parte à questão do funcionamento das máquinas.
“Se a máquina foi programada para fazer determinada ação, ela vai fazer e ponto final. Se isso é bom ou ruim, se vai machucar alguém ou não, ela não tem essa capacidade de julgamento. Então, se uma pessoa aparecer na frente de um robô, que não está preparado para perceber a presença daquela pessoa, pode ser que ela realmente se machuque. E isso é um problema real, pois cada vez mais os robôs estão (e estarão) presentes na nossa sociedade.”
Tornar a presença de robôs algo natural é um desafio que, certamente, só será superado quando eles estiverem mais difundidos na sociedade. Como nos contam os professores, a própria realização dos testes em ambientes reais (vídeo abaixo) foi dificultada devido ao “fascínio” provocado pelos robôs, que atraiam muitos curiosos.
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Comportamento e cultura
No contexto mais amplo da pesquisa, os professores explicam que esse é um primeiro passo e que ainda há muito a se fazer, principalmente, no que se refere às modulações de comportamento. Nesse aspecto, eles destacam os trabalhos realizados nos campos da psicologia e da antropologia referentes aos padrões de comportamento humano. “Diante de todo material produzido sobre humanos, será que é possível aplicar essas mesmas regras ao robô? Isso irá funcionar? A principal regra com que trabalhamos, nesse estudo, foi a das áreas sociais. A relação entre o espaço público e o pessoal”, conta Douglas.
No entanto, conforme ressaltam os professores, não é possível se ter uma configuração de fábrica para um robô. Por mais que sejam observadas questões culturais, por exemplo, há ainda as diferenças interculturais. Dessa forma, é fundamental que o robô possa ter suas configurações ajustadas pelo usuário e, assim, poder “aprender” continuamente, de acordo com as interações e demandas desse usuário.
Para Erickson e Douglas, os pontos de destaque no projeto foram dados pela colaboração entre as áreas e pela participação dos alunos da graduação. Além dos ganhos relativos ao aprendizado e à formação de futuros pesquisadores, há também os resultados científicos consistentes, que permitiram a redação de um artigo e a participação dos alunos no Latin American Robotics Symposium (LARS) e no Simpósio Brasileiro de Robótica (SBR) – eventos internacional e nacional – que, este ano, foram realizados em conjunto na Universidade Federal de Uberlândia.
Como continuidade do estudo, os coordenadores do projeto esperam manter e ampliar a colaboração entre as áreas para evoluir nas análises e propostas em torno dos desafios da Interação Humano-Robô. “As aplicações são diversas, desde fábricas e hospitais, até os usos domésticos, tendo em vista, por exemplo, pessoas com necessidades especiais ou mesmo o envelhecimento da população e a consequente necessidade de cuidados”, conclui Douglas.