Imagens diagnósticas e exames complementares são recursos quase indispensáveis na atual prática da Medicina. Embora menos conhecida, sua utilização é também determinante na análise de obras de arte e outros bens culturais. Eventualmente, equipamentos usados para examinar tais objetos são até mais sensíveis que os destinados a seres humanos. “O nível de detalhe que nós precisamos gerar é muito mais amplo, muito mais delicado. A pincelada do artista, por exemplo”, ilustra Alexandre Leão, coordenador do Laboratório de Documentação Científica por Imagem (iLAB) da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O iLAB, juntamente com o Laboratório de Ciência da Conservação (Lacicor), da mesma unidade, dispõe de tecnologia equiparada a instituições de referência mundial, como o Centro de Pesquisa e Restauração dos Museus da França (C2RMF) e a Tate Galery, em Londres. Não por acaso, os pesquisadores da UFMG participaram do processo de recuperação dos painéis Guerra e Paz (1956), de Cândido Portinari, reinaugurados na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), no último dia 8 de setembro. As imagens da obra de Portinari geradas pelo iLAB, associadas à análise de materiais conduzida pelo Lacicor, mostraram que o artista usou técnicas além da pintura à óleo, informação valiosa para os restauradores.
Dentre vários procedimentos, as obras são submetidas a radiografias, que revelam os materiais empregados a partir de sua massa atômica. Os pesquisadores contam até mesmo com emissores de raio-x e infravermelho portáteis, que viabilizam o exame sem que a peça seja, necessariamente, levada ao laboratório. Outro recurso empregado é a microscopia, bem como a comparação com outros exemplares atribuídos a um mesmo artista. “Nosso trabalho é revelar esses materiais, para então contribuir nos processos de decisão que o restaurador terá ao fazer a intervenção na obra”, resume o coordenador do Lacicor, Luiz Antônio Cruz Souza.
A restauração de mais uma obra assinada por Portinari, o painel Civilização Mineira (1959), teve contribuição dos cientistas da Escola de Belas Artes da UFMG. Neste caso, uma técnica de imagem, a fluorescência de ultravioleta, que abrange camadas superficiais, como os vernizes, detectou áreas marcadas pela colocação de parafusos. A mesma técnica revelou linhas e traços feitos por Victor Meirelles antes de pintar a tela Moema (1866), do acervo permanente do Museu de Arte de São Paulo (Masp).
Recentemente, aspectos invisíveis de uma ilustração de Alberto Guignard (1956), inclusive a assinatura do artista, foram revelados graças à combinação da fluorescência de ultravioleta com outras técnicas, em especial a Reflectance Transformation Image (RTI), sem tradução para o português. Não se trata de restauração, mas de uma espécie de reconstituição virtual da imagem original, a partir de 48 fotos com luzes posicionadas em ângulos variados. “Com essa técnica, conseguimos fazer com que um objeto bidimensional tenha um relevo, uma estrutura tridimensional”, explica Alexandre Leão, do iLAB. As marcas deixadas pela pressão do lápis no papel foram determinantes para a reconstituição do desenho, que voltou a ser exposto, ao lado das imagens científicas, no Museu Guignard, em Ouro Preto.
As fotografias que orientam não só a restauração, como também a verificação de autenticidade de obras de arte, têm alto nível de detalhamento e controle de cor. A resolução das câmeras varia de 108 a 384 megapixels. “O objetivo é gerar uma imagem digital que realmente represente as cores do objeto original”, afirma Leão. Um trabalho longe de ser trivial. Para se ter uma dimensão, ele recomenda um exercício simples: basta comparar uma mesma obra em diferentes livros de história da arte para perceber que ela ganha diferentes tonalidades.