Há exatos 30 anos, em 13 de agosto de 1985, a Universidade Federal de Minas Gerais dava um passo pioneiro para o tratamento e prevenção da AIDS no Brasil, com a criação de um setor dedicado à doença no Serviço de Doenças Infecciosas, no ambulatório Bias Fortes do Hospital das Clínicas da Instituição. Em 1991, este setor foi integrado ao Centro de Treinamento e Referência de Doenças Infecciosas e Parasitárias (CTR DIP Orestes Diniz), em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte, sendo o primeiro em Minas Gerais a atender pessoas em risco ou vivendo com HIV/Aids.
Em entrevista coletiva concedida na manhã de ontem (12), o secretário-geral adjunto da ONU e diretor executivo adjunto do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids, Genebra), Luiz Loures, apresentou o livro recém-lançado “How AIDS changed everything” (Como a AIDS mudou tudo, em tradução livre), ainda sem versão em português, que traz um panorama dos últimos anos do combate à AIDS no mundo. O documento está disponível para download.
Se naquela época as circunstâncias que envolviam a doença eram marcadas pelo medo e pela curiosidade sobre o vírus, hoje, as perspectivas em relação à doença são positivas: de acordo com Loures, dentro de 15 anos, será possível falar em cura. Pessoas que vivem com o vírus, quando em tratamento, têm a mesma expectativa de vida que outras não infectadas pelo HIV, e os avanços científicos oferecem soluções cada vez mais eficazes em termos de medicamentos.
Ouça o Ondas da Ciência especial com depoimento do secretário Luiz Loures.
“Os esforços de enfrentamento da AIDS evitaram pelo menos 30 milhões de infecções e 8 milhões de mortes. Isso se deve a uma combinação de ciência com mobilização social. O que fez a diferença foi a forma como a sociedade respondeu à epidemia e as pessoas que vivem com HIV têm uma posição central, não só do ponto de vista de apoio, mas na formulação de políticas e direcionamento para onde deveríamos agir”, explica o secretário.
Segundo Loures, o avanço científico em relação à AIDS está em seu ponto mais alto: “Hoje, a ciência nos permite dizer que o problema não é mais o HIV e temos instrumentos na mão para controlar essa epidemia”. As questões mais preocupantes giram em torno de aspectos sociais e da vulnerabilidade entre jovens e mulheres.
“AIDS é ainda a principal causa de morte de mulheres no mundo. O desafio persiste e a epidemia continua crescendo. No Brasil, ela cresce principalmente entre homossexuais masculinos jovens que não viram a epidemia que nós vimos há 30 anos” – Luiz Loures, secretário da Unaids / ONU.
Para o professor Dirceu Greco, os avanços em território brasileiro no enfrentamento à AIDS tiveram como grande aliado o Sistema Único de Saúde (SUS), criado em 1988. Ele defende que os resultados positivos no Brasil comprovam que o bom funcionamento do serviço público é o que garante o sucesso de ações de prevenção e tratamento: “Nada disso teria sido possível sem o SUS. Tudo que se faz em relação à AIDS no país é feito através do Sistema Único de Saúde, de forma gratuita. Temos 11 dos 21 medicamentos que são distribuídos fabricados no país. O modelo de tratamento da AIDS no Brasil é exemplar”.
Transformando o medo em conhecimento
Tanto o secretário Luiz Loures, quanto o professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Dirceu Greco, relembram que há 30 anos a sociedade era dominada pelo medo com relação ao vírus HIV. Tanto para quem trabalhava no projeto, quanto para as pessoas que já tinham HIV, o desafio maior era superar a ignorância e a curiosidade geral em torno do tema, em busca de soluções para a acolhida e o tratamento.
Floriano Leite, de 63 anos, diagnosticado com o vírus no início do projeto da UFMG, em 1985, relembra o pânico em torno do assunto: “Todo mundo estava perdido, era um caos. A DIP teve um papel muito importante no enfrentamento da AIDS nesse princípio e também pela coragem de abrir esse serviço. Havia preconceito de todos ao redor, da própria Instituição”. Ele lamenta que ainda hoje as pessoas ainda estejam sendo infectadas pelo vírus, uma vez que a prevenção é a melhor arma contra a epidemia.
“Todos sabem quais são as formas de se prevenir, mas os mitos ainda persistem. É um problema social. Muita gente banalizou a AIDS porque sabe que tem tratamento, mas ninguém sabe o peso que é se tratar. Eu tomo medicamentos há 21 anos. É uma doença crônica e a medicação tem vários efeitos colaterais. O problema é muito sério” – Floriano Leite, que há mais de 30 anos convive com o HIV.