Há um movimento crescente de valorização da presença de mulheres na ciência, seja em forma de premiações, como já divulgamos aqui, seja em solidariedade a atitudes consideradas machistas, como a que levou o ganhador do prêmio Nobel Tim Hunt a renunciar a seu cargo na University College London, depois de um infeliz comentário sobre como as mulheres podem “distrair” os demais pesquisadores no ambiente do laboratório.
Para a professora Mariana Cassab, da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) esses movimentos são importantes na luta contra a invisibilização da descriminação e sua naturalização.
“A tentativa de tratar a desigualdade de gênero pela via de uma pretensa harmonia social não nos ajudará a transformar o atual quadro de desigualdade que as mulheres enfrentam na ciência. Expressões de preconceito e discriminação devem ser desnaturalizadas, problematizadas e as partes envolvidas devem responder aos seus atos”, defende Cassab.
Mariana não está sozinha. Em junho, promoveu na UFJF o evento Mulheres na Ciência, uma iniciativa capitaneada pela Faced por meio da disciplina Estágio em espaços não escolares, pelo projeto de Extensão Experimentoteca, do Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia (NEC/FACED), coordenado pela professora Claudia Avellar, e pelo Centro de Ciências, coordenado pelo professor Elói Teixeira Cesar.
O evento buscou articular ações de ensino, de extensão e de divulgação científica e alinhou o desejo de contribuir, no âmbito da formação docente, para problematizações acerca das concepções do senso comum que marcam a figura do(a) cientista, além de tratar da necessidade de se ampliar a percepção pública da ciência.
“É muito provável que ao questionar quem faz ciência, a figura de um homem, branco e genial seja evocada”, afirma Mariana Cassab. “Diante da necessidade de contestar esse tipo de concepção e do fato da disciplina contar com a participação de uma turma majoritariamente composta por mulheres, elegemos tratar do tema ciência e gênero. Afinal, cabe às professoras e professores das disciplinas científicas na escola básica contribuírem para a construção de uma percepção crítica e ampliada sobre a natureza da ciência, o que envolve abordar tal temática. Como cabe à universidade amplificar esse debate junto à sociedade”.
O trabalho teve como motivação o entendimento do compromisso formativo de reconhecer e fortalecer a ciência como o lugar da democracia e da diferença – principalmente considerando que a disciplina de estágio ministrada por Cassab era oferecida ao curso de licenciatura em Ciências Biológicas.
“Ainda que haja avanços em relação à participação feminina no panorama da produção científica, as mulheres ainda enfrentam em seus percursos formativos e profissionais muitos preconceitos e obstáculos. Ou seja, no âmbito das ciências, mesmo que o quadro docente das universidades cada vez mais apresente uma composição equilibrada ou até mesmo superior de mulheres, a desigualdade de gênero ainda é uma realidade” – Mariana Cassab.
Durante o evento Mulheres na Ciência , uma mesa redonda composta por três cientistas mulheres de reconhecido mérito e importância na sua área de atuação debateu assuntos relacionados a essas questões. Participaram Marta D’Agosto, professora titular do Instituto de Ciências Biológicas da UFJF, que também já atuou como Pró-reitora de Pesquisa da Instituição, Maria José Valenzuela Bell, bolsista de produtividade do Instituto de Ciências Exatas da UFJF, e Hildete Pereira, docente do Instituto de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora dos temas ciência, gênero e mercado de trabalho. O evento também contou com uma exposição sobre o tema Mulheres na Ciência.
Segundo o relatório “Progresso das Mulheres no Mundo 2015-2016: Transformar as economias para realizar os direitos”, divulgado pela ONU, no mundo, em média, os salários das mulheres são 24% inferiores aos dos homens.
Mariana Cassab acredita que a desigualdade de gênero é uma realidade que deve ser enfrentada em diferentes esferas: “Um primeiro esforço que pode parecer trivial, mas está longe de ser, é trazer de forma mais intensificada o debate dessa questão a partir de perspectivas que denunciem e combatam as relações machistas e patriarcais que ainda regem as relações sociais. Isso porque, em muitas situações, os processos de subalternização feminina são naturalizados ou invisibilizados. Reconhecer e denunciar as desigualdades é fundamental para seu combate. Garantir oportunidades iguais entre mulheres e homens é fundamental. Afirmar para as jovens em formação “sim, você pode” também é fundamental”.
A escola é uma instituição fundamental nessa tarefa. Essa deve assumir de forma efetiva o compromisso social em promover a igualdade de gênero. Isso se realiza pela inclusão nos currículos escolares, de todas as áreas de conhecimento, de temas que abordem gênero e sexualidade. Esse é um dos caminhos para a construção de uma ciência justa e igualitária.