As discussões em torno do tema da usabilidade encontram eco em diversas áreas do conhecimento como a ciência da computação, a ciência da informação, a comunicação, as artes visuais (design), a neurociência. Em artigo publicado no periódico Code4Lib, Sumana Harihareswara propõe avaliar a experiência do usuário por uma nova perspectiva, a da justiça social.
O título “User Experience is a Social Justice Issue” (A experiência do usuário é uma questão de justiça social) pode, a princípio, parecer estranho, porém, ao longo do desenvolvimento da argumentação, torna-se bastante plausível e instigante, pois coloca em destaque importantes temas como a questão da cidadania e do acesso à informação.
A temática do artigo foi apresentada inicialmente em palestra proferida na Conferência anual da Code4Lib, em 2014. Para a publicação no periódico, feita um ano depois, foram acrescidos alguns elementos na introdução e na conclusão, refletindo um pouco as dinâmicas atuais do design da experiência do usuário.
Antes de iniciar o texto, a autora nos apresenta suas motivações para escrever (e falar) sobre o tema. No caso, sua experiência em serviços de atendimento ao consumidor e também leituras e orientações acadêmicas, fizeram-na perceber como uma experiência ruim com os sistemas pode afastar as pessoas do uso de serviços extremamente importantes, não só em termos de sua vida prática, mas também para o exercício pleno de sua cidadania.
Sumana destaca que seu interesse não está apenas na parte central dos sistemas (que ela chama de artérias), onde muitas vezes a comunicação se dá mais entre linguagens de programação, mas, principalmente, nas capilaridades, onde o usuário final irá interagir.
Para discutir essa dimensão mais política e social do design, ela inicia a argumentação trazendo elementos já conhecidos da usabilidade e que são bastante discutidos na esfera dos bens de consumo e produtos. Trocando em miúdos, o que a autora quer nos mostrar é que, se a usabilidade pode definir qual tipo de café as pessoas irão beber (pensando no design das máquinas, cápsulas, etc.), imagine o impacto disso no âmbito da saúde, educação, trabalho.
Acesso gratuito à educação, a liberdade de expressão política e a privacidade frente a vigilância indevida são direitos fundamentais presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Ainda que não se queira ir tão longe, essas são metas de justiça social com as quais todos concordamos, creio. Nossa comunidade compartilha uma visão de menos desperdício e mais empoderamento e obtenção de conhecimento pelos sujeitos. Entretanto, a transferência desses benefícios, para além dos limites das bibliotecas, fazendo-os chegar até os usuários, o novo Last Mile Problem, requer que eles sejam realmente capazes de usar determinado software. Ao eliminarmos os obstáculos que interferem na experiência do usuário, estamos trabalhando para atingir as metas de justiça social e implementar os direitos humanos. (HARIHARESWARA, 2015, tradução nossa)
Às múltiplas diretrizes que já, há algum tempo, vêm guiando o trabalho de designers, arquitetos da informação, desenvolvedores, a autora propõe acrescentar o elemento da empatia. Para ela é preciso enxergar o serviço/produto oferecido com as lentes do usuário, ou seja, alguém que, em tese, desconhece esse sistema e vem de um contexto muitas vezes bem distinto daquele em que se encontra a maioria dos desenvolvedores. Sumana destaca ainda que é preciso pensar nas razões que levaram o sujeito a buscar (interagir com) o serviço em questão.
Como isso seria possível? Uma das soluções apontadas no texto propõe aliar as metodologias qualitativas (entrevistas, testes de usabilidade, grupos-focais) às quantitativas, o eyetracking, por exemplo. No artigo, a autora ainda menciona questões de gênero e também aspectos ligados à presença/ausência de representantes das minorias nas equipes de desenvolvimento.
Tem-se aí um interessante ponto de partida para quem deseja refletir sobre as dimensões políticas e sociais das tecnologias.
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Referência:
HARIHARESWARA, Sumana. User Experience is a Social Justice Issue. Code4Lib Journal. n. 28, abril de 2015. Disponível em: