18 de novembro de 1814 é a data da morte de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, mestre do Barroco Mineiro que deixou marcas na identidade e na cultura de Minas Gerais. Em 2014, comemora-se o bicentenário de sua morte e aproveitamos a data para entrevistar a pesquisadora e professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Guiomar de Grammont.
Seu livro “O Aleijadinho e o Aeroplano – O Paraíso Barroco e a Construção do Herói Colonial” (imagem ao lado), baseado em sua tese de doutorado defendida na USP, marcou as pesquisas na área de história e da cultura barroca ao propor uma leitura de Aleijadinho diferente da convencional. Embora tenha recebido duras críticas e até hoje enfrente a polêmica de ter “desmistificado” o herói Barroco, suas contribuições são importantes para a compreensão plena dessa figura mineira e barroca.
Confira o bate-papo sobre as contribuições de Aleijadinho para a arquitetura, para a história de Minas e do Brasil, além da visão de Guiomar acerca de sua obra e das atuais pesquisas na área:
Minas Faz Ciência: Em sua opinião, em que consiste a maior contribuição de Aleijadinho?
Guiomar de Grammont: Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, independente de todas as polêmicas sobre sua biografia, tornou-se uma espécie de símbolo da arte brasileira no exterior e em nosso país. É uma divisa de reconhecimento da excelência e originalidade da escultura colonial. A notoriedade do artista, a partir da publicação dos livros de Germain Bazin na França, não apenas deu origem à noção de “barroco brasileiro”, como tornou a arte desse período conhecida, admirada e procurada por turistas e colecionadores.
Segundo os recibos conhecidos, o ateliê de Antônio Francisco Lisboa realizou a talha e os relevos de duas grandes obras que são as maiores obras primas do chamado “barroco mineiro”: os Passos da Paixão, em Congonhas; e a Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. São obras de ousadia e beleza incomparáveis, com soluções que as diferenciam de todas as similares que se encontram na Europa. Elas nos emocionam até hoje e só por elas o artífice efetivamente merece o reconhecimento da posteridade.
MFC: Por que celebrar o bicentenário de sua morte? A data traz à toa quais reflexões relacionadas a seu legado?
GG: Essas efemérides são importantíssimas para estimular encontros, exposições, debates, enfim, esforços para promover estudos e pesquisas mais profundos sobre a obra de escritores e artistas. Iremos conhecer um pouco mais tarde, quando as publicações saírem, quais os novos estudos e reflexões realizados nesse marco histórico.
Confira a participação de Guiomar de Grammont no projeto UFOP Conhecimento, da Federal de Ouro Preto:[youtube=http://youtu.be/YT9zi1oAS8E]
MFC: Mais de dez anos após a conclusão de sua tese, como avalia a repercussão à época e o retorno que recebe até hoje sobre sua pesquisa?
GG: Embora estejamos em pleno século XX, em uma república democrática, caracterizada pela liberdade de expressão, costumo ser excluída de eventos importantes sobre o assunto ou tomo conhecimento de que alunos ou orientandos são instados a não citarem ou utilizarem meu livro em suas pesquisas. Meu livro foi pouco lido e muito mal compreendido. Trata-se de uma tese de doutorado, fartamente documentada, defendida com louvor na USP em 2002. Nela, eu jamais afirmei que Aleijadinho não existiu.
MFC: Quais as principais diferenças entre o “Aleijadinho arquiteto” e a figura histórica / heróica que foi construída ao longo dos anos na imagem de Aleijadinho, principalmente nas cidades históricas de MG?
GG: Ao contrário do que muita gente julgou que eu teria escrito, no livro, eu observo, através da análise de toda a documentação encontrada sobre o artífice, que Antônio Francisco Lisboa foi um escultor pobre e mulato que efetivamente existiu e viveu no século XVIII. O personagem “Aleijadinho”, por outro lado, foi um mito construído e sucessivamente apropriado em diversos discursos sobre letras e artes no Brasil. Essa apropriação tem o efeito de um eco: não há nada de novo na maior parte dos estudos produzidos sobre o artífice ao longo do século XX, eles repetem os dados que se encontravam na biografia de Bretas. Destacam-se, nesse processo, dois movimentos de constituição do que seria a “arte brasileira”: o do IHGB, como já colocamos, nacionalista e romântico, ainda com fortes raízes metropolitanas, e o do Modernismo, completamente diferente: buscando ressaltar todo o exotismo de uma cultura híbrida. O personagem muda de cor a cada contexto, como um vetor onde se percebem as preocupações de cada momento histórico.
MFC: Você tem alguma pesquisa atualmente em desenvolvimento sobre o tema? Qual o estado da arte hoje, nos estudos sobre a figura de Aleijadinho?
GG: Estou organizando um colóquio na Biblioteca Mario de Andrade, em São Paulo, de 10 a 12 de novembro para celebrar os 200 Anos [da morte] de Aleijadinho. Pretendo publicar os artigos produzidos pelos pesquisadores para esse evento. Imagino que as efemérides irão estimular novos estudos, muito importantes. Incentivei uma amiga, a historiadora Marcia Almada, especialista em grafologia, a realizar pesquisas nos recibos do Aleijadinho para responder a questões que permanecem envoltas em misterio até a atualidade, como a extensão e a natureza da doença e o seu nível de instrução. Pretendo retomar o tema, procurando revê-lo a partir das publicações que serão realizadas neste ano.
Leia também a entrevista com o professor André Guilherme Dornelles D’Angelo, da Escola de Arquitetura da UFMG.