Três perguntas: o Aleijadinho arquiteto e o barroco mineiro


Publicado em 03/11/2014 às 09:53 | Por Verônica Soares

Em novembro, celebra-se o bicentenário da morte de Aleijadinho e diversas atividades estão sendo realizadas para discutir e repensar as contribuições desta figura mineira para a história, a arte e a arquitetura colonial.

A data é uma excelente oportunidade para rememorar a importância da figura histórica de Aleijadinho e também aprender mais sobre os movimentos a que ele e sua obra pertenceram.

Nesta segunda etapa da conversa com o professor André Guilherme Dornelles D’Angelo (você pode ler a primeira parte aqui), exploramos o perfil de Antônio Francisco Lisboa do ponto de vista da Arquitetura. Confira abaixo três perguntas sobre o assunto e deixe suas contribuições também nos comentários.

  1. Em que o Barroco Mineiro se diferencia dos outros movimentos ao redor do mundo?

André Guilherme Dornelles D’Angelo: Inicialmente, devemos lembrar que o próprio termo “Barroco Mineiro” já foi criado para tentar vincular um rotulo artístico e regional que procurava caracterizar e unir manifestações artísticas e arquitetônicas muitas distintas das surgidas na segunda metade do século XVIII, como o Barroco e Rococó na Europa.

Igreja de São Lourenço em Praga. Reprodução Prague.FM

Igreja de São Lourenço em Praga. Reprodução Prague.FM

Acredito que não existe a menor dúvida, hoje, de que uma série de soluções arquitetônicas que foram utilizadas na arquitetura mineira naquele período também  estavam em uso e, às vezes, de maneira muito próxima, em alguns exemplares da produção da arquitetura do chamado Tardo-Barroco internacional, na região da Europa Central e mesmo em Portugal. Como exemplo desses casos, podemos citar a igreja das Ursolinas (1693) de Salzburg, ou São Lourenço (1770) em Praga (imagem).

Diante destas constatações arquitetônicas e históricas, quando pensamos na produção da arquitetura mineira da segunda metade do século XVIII, entendemos que falamos de produções arquitetônicas aparentadas que, embora oriundas de  uma mesma fonte cultural, são apropriada nestas várias regiões, com características arquitetônicas muito distintas, mas que têm um elo comum, que é estarem vinculadas a regiões governadas por uma mentalidade tardia de compromisso com uma fé católica contra-reformista, que crê de maneira quase absoluta na Igreja triunfante na terra como manifestação do mundo celestial.

Estes fenômenos artísticos, que também existiram em outras regiões do Brasil colônia, foram aclimatados principalmente em Minas Gerais, de modo muito particular, apresentando autonomia e criatividade diferencial da sua interpretação, justificando o porquê da forjamento do termo “Barroco Mineiro” que, na verdade, tentava intuir esse posicionamento na historiografia do período moderno.

  1. Pode apontar as diferenças entre o “Aleijadinho arquiteto” e a figura heroica que foi construída ao longo dos anos, principalmente nas cidades históricas de MG?

AGDD: Acho que são fenômenos históricos que se misturam, pois ambos têm como DNA comum a construção moderna do mito da nacionalidade em formação, onde a figura do Aleijadinho emergiu como herói da raça e vencedor das limitações físicas e dos preconceitos contra os brasileiros. Entretanto, acredito que, embora os estudos modernistas de pesquisadores como Lúcio Costa, Sylvio de Vasconcellos, Paulo Santos, dente outros, muitas vezes abraçaram as bandeiras do nacionalismo utópico dos primeiros tempos de pesquisas sobre o Aleijadinho, o tempo e o avanço das pesquisas em história da arte e da arquitetura e, principalmente, as que têm sido feitas sobre o meio cultural e a produção artística nas Minas Gerais durante o século XVIII, têm trazidos novas questões a esse respeito.

Se por um lado, logicamente se diluiu o mito do artista gênio e solitário, do doente temperamental e de outros adjetivos mais passionais, por outro lado, no meu entender, os novos estudos, não conseguiram retirar o mérito do Aleijadinho como um criador diferencial e singular no meio de tantos outros artistas talentosos e de fama que foram seus contemporâneos e que hoje conhecemos melhor e cuja obra também valorizamos no estudo da cultura do século XVIII em Minas Gerais.

Penso, entretanto, que na cena contemporânea, as pesquisas tendem, dentro de uma metodologia em história da arte e arquitetura cada vez mais crítica, a não diluir o talento diferencial do Aleijadinho, mas confirmar uma série de valores de juízo atribuídos aos méritos dele como artista e arquiteto, não exatamente pelos seus vários interlocutores ao longo da história, mas pelo testemunho registrado em ato oficial pelo seu contemporâneo, o Vereador de Mariana, Joaquim Jose da Silva, que escreveu a famosa crônica dos fatos notáveis da Capitania em 1790.

  1. Qual o estado da arte, hoje, nos estudos sobre a arquitetura barroca e a contribuição de Aleijadinho?

Projeto de frontispício para a Igreja de São Francisco em São João del Rei. Scan do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto.

Projeto de frontispício para a Igreja de São Francisco em São João del Rei. Scan do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto.

AGDD: Nos últimos anos, dentro do Departamento de Análise Crítica e Histórica da Escola de Arquitetura da UFMG, temos tentado avançar em uma série de questões sobre o estudo da produção da arquitetura e da construção no ambiente das Minas Gerais do século XVIII. Dentro desse projeto, estamos tentado unir o estudo na análise crítica do objeto arquitetônico a modelagem virtual de projetos do Aleijadinho, alguns deles nunca construídos, o que tem gerado um bom resultado experimental e maior interesse dos alunos.

Temos também trabalhado com levantamentos do acervo arquitetônico do século XVIII em pesquisas de campo e também orientado na Pós-Graduação, tanto no nível de mestrado como de doutorado, algumas pesquisas importantes nesta área, para formar o interesse dos graduandos pela matéria. Está em curso ainda, como uma ideia dentro de uma rede de pesquisadores vinculados a área de pesquisa ligada aos estudos da arquitetura brasileira da arquitetura da cidade no Brasil colonial, a ideia de criar, em Ouro Preto, um Centro de Referência de Estudo da  Arquitetura Brasileira do período Colonial. Mas ainda há muito que fazer para construí-lo…

Até quarta-feira, 5 de novembro, a UFMG sedia o IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte, em homenagem aos 200 anos da morte de Aleijadinho.
 
Nos próximos dias, a Minas Faz Ciência também traz uma entrevista com a professora e pesquisadora da Universidade Federal de Ouro Preto, Guiomar e Grammont, sobre o assunto.
 
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