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Lama depois do banho. Por que seu cão faz isso?

© 2013 MORGUEFILE

Se alguma vez você cuidou de um cachorro, com certeza ficou intrigado com a reação dele após tomar uma refrescante ducha. A história sempre se repete. Seu peludo deixa o banho limpinho e cheiroso, e a primeira ideia que tem é sair correndo e procurar qualquer sujeira para rolar em cima, como em um acesso incontrolável de euforia ou em uma forma de protesto por uma sessão de água e sabão sem seu consentimento. Embora ambas teorias pareçam fazer algum sentido, ainda deixam muitas dúvidas. Por que a aparente preferência por brincar em terrenos e substâncias tão pouco assépticos, como se aquilo proporcionasse alguma forma de prazer? A ciência explica.

Acontece que, apesar da afinidade entre humanos e  cães ter atravessado milênios e a fidelidade e identificação entre as espécies levar muitos a crer que cães são humanos de quatro patas – e muitas vezes eles também parecem acreditar nisso – a verdade é que a percepção do mundo acontece de forma muito distinta entre ambos. Enquanto humanos reconhecem o ambiente principalmente por meio das informações visuais, no caso dos cães essa responsabilidade fica a cargo do olfato. Para os cachorros, cujas células receptoras de odor variam entre duzentos e trezentos milhões – contra cinco milhões dos humanos – o mundo é um infinito emaranhado de cheiros e novidades que deixaria qualquer Homo sapiens espantado.

Logo, o que para nós pode parecer inodoro ou com cheiro inexpressivo, para nossos companheiros pode trazer um conteúdo tão grande que uma série de fungadas revela tantas histórias para eles quanto a leitura de um livro para nós. Essa é, inclusive, a explicação para tamanho alvoroço de seu pet quando você retorna da rua, por exemplo. Basicamente é como se ele assistisse a um vídeo de tudo o que você fez: com quantas pessoas esteve, o que tocou, por onde andou.

Mas como isso explica o estranho gosto pela sujeira?

Como o olfato do cão é o seu principal e mais aguçado mecanismo de leitura do mundo, a nossa boa intenção de deixá-lo cheiroso acaba agredindo-o física e mentalmente. Primeiramente, é preciso considerar que nossa concepção de cheiros agradáveis parte dos moldes humanos que, por desfrutar de pouca sensibilidade olfativa, recorre a artifícios químicos que elevam as sensações aromáticas a níveis consideravelmente altos para poderem  ser captados. Então, perceba: se um cão é capaz de se inquietar com odores que humanos sequer imaginam existir no ambiente, o cheiro de um xampu, sabonete e principalmente perfumes pode ser uma bomba atordoante ao sentido do animal. Essa interferência dificulta a interpretação do mundo que o cerca. É como obstruir os olhos de uma pessoa e soltá-la nas ruas: ainda que enxergue parcialmente, o fará com relativa dificuldade.

Outro aspecto é a maneira como a espécie lida com os cheiros. Nosso olfato limitado tende a captar o conjunto final da mistura de elementos, gerando uma percepção sensorial agradável e harmoniosa. Já o faro canino é capaz de “depurar” cada componente da fragrância e aí vem o terceiro quesito: o que um cão procura ao cheirar o mundo. O animal busca nas experiências olfativas identificar alguma informação valiosa, como vestígios de alimentos e seu valor nutritivo, rastros de outros cães ou presas, enfim… A lista é infinita, mas o cheiro tem de trazer algum conceito relevante ao cão para que ele se interesse. Os produtos que aplicamos nos cãezinhos com a melhor das intenções não trazem nenhuma dessas informações e sua percepção sensorial será de um amontoado de cheiros artificiais e desconexos, em quantidades excessivas e excêntricas ao seu mundo.

O que é cheiroso para nós – em se tratando de cosméticos – para o cachorro não passa de uma embaralhada combinação química que, além de confundi-lo, o descaracteriza do ambiente natural por razões óbvias. Por isso, como reação seu cãozinho vai tentar se livrar daquele corpo estranho a todo custo. Trocar a marca do xampu ou sabão usado não irá atrair resultados mais satisfatórios. E não adianta culpar o canino se ele conservar o comportamento ainda que você não use nenhuma substância artificial, porque ele vai, embora com muito menos intensidade. O fato é: por mais que desejemos integrar nossos cãezinhos ao nosso estilo de vida, eles não pretendem nem conseguem se desvencilhar de sua natureza animal.

Além de precisar de seus focinhos livres para farejar, os cães são, por natureza, predadores; como todo bom caçador sabe, ocultar sua presença é insdispensável para obter sucesso em uma emboscada. Essa é outra razão pela qual seu cachorro se cobre de substâncias nada aromáticas: carregar odores naturais e inofensivos que disfarcem seu cheiro característico – que suas presas conhecem de longe – é uma estratégia e tanto para surpreender a caça. Por isso seu cachorro vai insistir em rolar em gramas, terra e sujeira. E torça para que no percurso ele não encontre restos mortais de nenhum animal, pois para ele é o disfarce perfeito. Se o interesse é suprimir o próprio cheiro, quanto mais intenso o odor, melhores seus efeitos. Sem falar que o cheiro da carniça ainda pode atrair determinadas presas.então, ao contrário do que parece, seu cachorro não é nenhum arruaceiro, mas sim bastante esperto.

Cuide de seu cãozinho e preze sim pela higiene dele, pois ela é indispensável para que permaneça sadio. Porém, tenha um pouco mais de paciência; apesar de você saber que ele não precisa de todos estes artifícios selvagens para viver em um quintal ou apartamento, instinto da a espécie o conduzirá a agir de acordo com a herança deixada por seus ancestrais. O criador deve evitar extravagâncias, como borrifar no animal colônias sofisticadas – por mais que também esteja agindo de acordo com a herança deixada por seus ancestrais. Esse tipo de atitude é o que os especialistas chamam de “antropomorfização”, ou seja, a tendência – deliberada ou não – de humanizar o animal, desconsiderando a perspectiva de compreensão do mundo que ele possui. Isso é extremamente danoso à saúde mental do seu pet e pode trazer resultados desastrosos. Procure sempre conhecer e respeitar as diferenças (que são inúmeras).

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