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Carta de um colega

Recebemos hoje pelo Fale Conosco do site da FAPEMIG uma bonita mensagem de Afonso José e Silva, ex-funcionário da casa. Ele foi um dos primeiros colaboradores da Fundação e vivenciou vários momentos importantes durante o período em que trabalhou aqui. A carta, que começa com comentários sobre a revista Minas Faz Ciência, se transforma em um depoimento histórico interessante e curioso sobre a criação e os primeiros anos da FAPEMIG. Por isso resolvemos publicar a mensagem, e agradecemos ao Afonso por compatilhar conosco suas memórias.

“A Fapemig é um dos maiores patrimônios dos mineiros, pois vem apoiando a matéria-prima que realmente contribui para a grandeza de uma Nação: o desenvolvimento científico e tecnológico. E a revista “Minas Faz Ciência” um veículo de eficácia incontestável à divulgação dos trabalhos dos notáveis pesquisadores do Estado. Mês passado recebi, em casa, com toda a comodidade, a edição 50 da Revista “Minas Faz Ciência”. Ela irá se juntar às suas irmãs, da nº 1 a 49. Sou um felizardo e tenho a honra de possuir a coleção completa. Tão logo a recebo devoro-a por inteiro, depois, com mais vagar, faço uma leitura mais acurada. Mas a coleção não é minha, mas de todos aqueles que se encontram em volta e se interessam pelo assunto. Sempre que tenho a oportunidade ofereço a título de empréstimo aos estudantes, aos professores e às pessoas com vontade de conhecer, em primeira mão, o que Minas anda produzindo em favor do desenvolvimento científico e tecnológico.

Vez ou outra me pego fazendo um exercício para relembrar algumas passagens durante os dezoito anos que trabalhei na Fapemig. O quadro era reduzidíssimo: o Diretor Científico; o Gerente; o Contador e eu que executava as atividades relacionadas às atividades-fins. O Presidente era simbólico, pois o embaixador Paulo de Tarso Flecha de Lima morava em Londres e, pelo que recordo, nos quase dezesseis anos na presidência, só fez uma visita rápida à Fundação durante o Governo Azeredo. Hoje, são poucas as pessoas que fazem parte do quadro da Fundação que conheço, a maioria é gente nova, mas fui um dos primeiros de seus servidores. Vivenciei todos os seus momentos, de 1985 a 2004 quando fui transferido para a Feam. No início não foi nada fácil. A começar pela batalha sem trégua da comunidade científica e tecnológica para a sua criação, mas valeu. Foram muitos que lutaram, não fosse o apoio do então Secretário Walfrido Silvino dos Mares-Guia que tinha lá seus interesses, da articulação competente do engenheiro Paulo Gazzinelli e, claro, da caneta de Hélio Garcia, nada teria acontecido.

A primeira batalha foi vencida, mas para sair do papel à efetiva operacionalização outra luta foi iniciada. Sem sede, sem pessoal, sem orçamento, a Fapemig não passava de mais uma lei que não ia pegar. Mas aos poucos tudo foi se resolvendo com a facilidade de negociação empreendida pelo Mestre Gazzinelli e do apoio incondicional da comunidade científica, principalmente os notáveis da UFMG e UFV. Local provisório para se instalar conseguiu junto à Secretaria da Reforma Administrativa e Desburocratização, em fase de extinção consumada no dia 18/09/1986, duas saletas no mezanino do prédio da Rua Manaus. Do Cetec conseguiu, por empréstimo, a ida dele próprio para ocupar o cargo de Diretor Científico; Malba Soares Franco, como gerente administrativo e financeiro; Jadir Leandro Ferreira, como contador e eu para colaborar na estruturação das atividades-fins. Completavam o grupo, as Secretárias Ana Deborah e Márcia Gontijo, contratadas posteriormente. Aos trancos e barrancos tudo foi se ajeitando e em fevereiro de 1986 a Fundação já estava com seu o Estatuto aprovado.

Logo a seguir, ainda no primeiro semestre, os conselheiros nomeados pelo Governador tomaram posse. Mais do que depressa, para evitar retrocessos, a Fapemig lançou seu primeiro edital para auxílio à pesquisa e concessão de bolsas. O objetivo foi dar maior publicidade à instituição e envolver a comunidade científica e tecnológica para defendê-la. O edital saiu e a comunidade respondeu prontamente. Foram muitas solicitações de bolsas de projetos de pesquisa. No último dia para entrega dos formulários, lembro-me, foi um tumulto. Todos os espaços do prédio tomados por estudantes e professores. Alguns procediam ao preenchimento ali mesmo, na fila de espera. O julgamento foi rápido e muitos projetos foram aprovados com a promessa de repasse naquele mesmo ano. Recordo-me que os primeiros a serem contratados foram os processos nº CBS 01/86, de autoria do pesquisador Leógenes Horácio Pereira e o CBS 13/86 de Wilson Mayrink que pesquisava a vacina contra a Leishmaniose, assunto publicado na Revista nº 02.

Antes mesmo da completa extinção da Secretaria da Reforma Administrativa e Desburocratização, se não me falhe a memória, agosto ou mesmo setembro, o governo liberou uma verba para aquisição da sede. Dois locais estavam em disputa: um andar inteiro no Edifício Mirafiori, na Rua Guajajaras, 40, Centro, ou 5 pavimentos (do 5º ao 9º) no
Edifício Oxford, em fase de construção, na Rua Raul Pompéia, 101, São Pedro. Venceu o último. A mudança foi repentina. Duas ou três mesas e máquinas de escrever, algumas cadeiras e material de consumo foram tomados de empréstimo ao espólio dos últimos suspiros da secretaria que foram carregados por uma caminhonete cedida pelo Milton Lima. Algum recurso também foi liberado para apoiar a execução dos projetos aprovados, mas ficaram bem aquém do volume aprovado. A conta não batia. Poucos recursos e muitos projetos. O Conselho Curador foi acionado. A decisão tomada foi muito simples, mas também muito sábia, já que todos os projetos aprovados tinham lá seus méritos, todos mereciam apoio. Então nada melhor que ratear entre eles o montante disponível. A idéia era atender o máximo de pesquisador possível, pois esses formariam um
bloco coeso para cobrar, junto ao Governo, o cumprimento dos compromissos assumidos pela Fundação ao assinar os respectivos Termos de Outorgas.

Durante o primeiro Governo do Hélio Garcia a Fapemig se manteve viva, mas se arrastando de pires na mão. Depois veio Newton Cardoso, aí foi a treva. A coisa ficou feia.
O que já não estava bom piorou significativamente. O Governador fez muita lambança: exonerou conselheiros em pleno gozo do mandato através de decreto. Mas nessa investida o tiro saiu pela culatra. A revolta da comunidade foi grande, recebeu a desaprovação até mesmo de auxiliares da cozinha do Liberdade. Teve até pesquisador que recusou seu aperto de mão em solenidade. Os pesquisadores não ficaram parados, organizaram-se e buscaram apoio junto aos deputados cobrando a constitucionalização da Fapemig para protegê-la contra novas ameaças. Conseguiram e fizeram mais, conseguiram que se incluísse artigo destinando 3% do orçamento do Estado para a instituição promover à capacitação de pesquisadores e apoiar pesquisas científicas e tecnológicas no âmbito do Estado. Foi uma vitória maiúscula, mas na realidade, enquanto estive por lá, nenhum Governador repassou à Fundação o que a lei maior lhe reservara. Só depois de o percentual constitucional ter sido reduzido para 1% o dispositivo foi cumprido.
Para nós, servidores, todos os governadores citados foram péssimos. Os salários eram irrisórios, mas curiosamente no governo de Newton Cardoso tivemos os piores e os melhores momentos. Comemos o pão que o diabo amassou de 1986 a 1990. Porém, antes da entrada em vigor do Regime Jurídico Único, junho de 1990, Newton Cardoso autorizou a concessão de uma pequena parte da recomposição salarial e a contratação de mais alguns servidores, mesmo assim insuficiente.

Enfim, meu objetivo é parabenizar todos os servidores da Fapemig por levar a obra adiante com muita competência e profissionalismo. Estou escrevendo isso tudo porque me aposentei e estou exercitando um pouco o cérebro para evitar o encontro com o alemão, mas sinceramente não almejo que seja publicado, mesmo porque a Revista tem informações muito mais importantes para veicular. Agradeço a todos e espero continuar recebendo as valiosas informações do que há de mais novo no mundo das descobertas.”

Afonso José e Silva

 

 

 

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