Do laboratório à telona – entrevista com Susana Dias
Para Susana Dias, uma das potencialidades do cinema é expor situações, problemas, acontecimentos cujas arestas tocam em diferentes áreas do conhecimento. A coordenadora do Mestrado em Divulgação Científica e Cultural do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também foi entrevistada pelos jornalistas Fabrício Marques e Maurício Guilherme Silva Jr. para a reportagem sobre ciência e cinema. A entrevista completa vem a seguir:
O cinema pode ser considerado como um meio de comunicação que auxiliou na divulgação científica? Ainda hoje é assim?
As ciências sempre movimentaram a criação cinematográfica e, certamente, continuarão movimentando, constituindo-se numa verdadeira matéria-prima para os cineastas. Entendendo matéria-prima como aquilo que permite a entrada num certo sistema, que cria uma brecha para experimentação, neste caso, uma abertura em sistemas de pensamento, funcionamento, produção e criação científicos. Pensado como obra de arte, o cinema não tem propriamente a intenção de divulgação/comunicação científica. Talvez tenha uma forte intenção de divagação científica e daí decorre sua potência para a divulgação, a comunicação e educação de/em ciências. Exatamente porque o cinema propõe um levar as ciências para além dos seus limites, de suas determinações históricas, sociais, econômicas, culturais, para além dos clichês e das representações. Trata-se, para o cinema, de potencializar a criação junto às ciências, com elas, a partir delas, nelas. Não para criar novas ciências, mas para recolocar em jogo o que é ciência, o que é conhecimento, o que é o humano, o que é a vida.
De que forma a ciência é retratada nos filmes?
De muitos modos distintos, mas há sempre algo inquietante e perturbador nesse retrato, porque a ciência retratada no cinema não apresenta uma correspondência direta com as ciências de laboratórios, as ciências das universidades, dos papers, dos projetos de pesquisa, dos produtos tecnológicos. É importante pensar que quando se trata de ciência e cinema não se trata de um olhar-se ao espelho, mas um adentrar o espelho. Como em Alice no País das Maravilhas. O cinema expõe a ciência como cultura, mergulhada numa trama de relações em que estão sempre em jogo as oposições entre real-ficção, humano-não-humano, natureza-cultura, espaço-tempo, passado-futuro etc. Nesse sentido, acho que vale a pena destacar que quando se fala em ciência e cinema em geral se excluem as ciências humanas, dando ênfase às ciências exatas e naturais. Mas uma das potencialidades do cinema é expor situações, problemas, acontecimentos cujas arestas tocam em diferentes áreas do conhecimento. Vemos explodir na tela questões híbridas e mutantes, conhecimentos cujos corpos são monstruosos.
A Casa da Ciência/UFRJ organiza um cineclube mensal em que exibem um filme que dialoga com ciência, seguido de um debate com um pesquisador. A mostra Ver Ciência reúne filmes sobre esse tema. Aí na Unicamp vocês também já organizaram mostras sobre o assunto. A que se deve esse interesse? Podemos dizer que, no País, ele é historicamente recente?
Exatamente porque no cinema a ciência aparece em meio à vida, à cultura, ao mundo, penso que os filmes se constituem em artefatos de divulgação-divagação científica que permitem ter acesso às ciências de modo contaminado, impuro. As mostras de ciência e cinema se constituem em espaços de experimentação desse afetar-se com a ciência quando ela vira cinema e torna-se outra coisa. Nas Mostras de Ciência e Cinema, em geral, não apenas é feita a exibição de filmes, mas costuma existir uma proposta de um bate-papo, de conversas com cientistas, com cineastas, debates com profissionais da mídia, palestras com estudiosos do cinema etc. Deste modo, as Mostras de Ciência e Cinema querem propiciar um contato diferenciado com os filmes, em que a experiência do bate-papo, do debate, da palestra, torna-se parte da experiência de assistir ao filme. Cria-se uma oportunidade de se pensar, além do que já mencionei, a linguagem cinematográfica, as imagens, sons e palavras que desfilam nas telas e seus efeitos junto ao público.
Para você, quais os filmes fundamentais que melhor conseguiram construir uma representação adequada da ideia de ciência?
O que seria uma representação adequada das ciências? Seria uma apresentação correta de conceitos, definições, leis? Seria a problematização e complexificação das ciências, expondo-as mergulhadas no tecido da cultura? Seria a apresentação de uma crítica às ciências, aos seus caminhos, apostas, investidas? Seria a exploração estética e política de sensações e efeitos relacionados aos conhecimentos científicos por meio de sons, cores, texturas, personagens, montagens, edições? Talvez um pouco de tudo isso… Uma coisa e outra e outra e outra… Mas, certamente, estamos falando de um tipo de “adequação” que exporia uma violenta inadequação do cinema às ciências. O cinema se apresenta como possibilidade potente para a divulgação científica quando não está ajustado e em perfeita conformidade com as ciências, quando não se propõe a expor “ideias justas, mas, justo, ideias”, como diz um filósofo que gosto muito, Gilles Deleuze ao pensar junto com o cineasta Godard.
A nossa época é a da sociedade do espetáculo, mas também das células-tronco e da nanotecnologia. Os filmes contemporâneos têm conseguido dar conta desse progresso científico?
A sociedade das células-tronco e da nanotecnologia também não seria a do espetáculo? O progresso científico não seria, em parte, expressão desse espetáculo? Acho que o cinema não se propõe a DAR CONTA de nada, mas a exposição dessa forte investida no progresso científico é objeto de muitos filmes.
Existem filmes que abordam a ciência em diversos gêneros: documentários, ficção científica, drama, até mesmo comédia… Podemos falar em um gênero adequado para falar de ciência no cinema? Qual seria?
Não. Cada gênero tem suas potencialidades e, certamente, uma das características do cinema contemporâneo é colocar em questão as fronteiras entre esses gêneros, é experimentar a tensão entre cinema documental, ficcional, experimental etc.
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