Uma crônica sobre pequenos mineiros que sonham em ser cientistas.
Não, sô não pai. É a mais pura verdade. Eu quero ser inventor, criar um monte de coisa que vai mudar a vida de um tantão de gente. Imagina só pro senhor vê se eu conseguisse arrumar um jeito do senhor tomar todos os remédios engolindo apenas uma bolinha, já paro pra pensar?
– Cê é bobo, como cê vai fazer isso? Num tem jeito não. Como cê vai colocar o pozin que tem no cumprimido de diabetes, junto com di pressão e junto com di artrose?
– Ô pai tem todo um aparato tecnológico que os cientistas criam e tem vários livros que ensinam fórmulas de química e aí eu vou pesquisar e testar nos laboratórios com aqueles ratinhos brancos, iguais aqueles do desenho, sabe?
– Hum, sei.
– Sabe outra coisa que eu posso fazer?
– Sei não!
– Remédio, pras plantas do senhor crescerem bem bunitinhas e com gosto de fruta mesmo. Meu professor de ciências tava falando que agrotóxico faz um muito mal pra saúde com o passar dos anos. Ele disse que pode até dar câncer.
– Misericórdia! Cê é bobo! Vou lá na sua escola! O que eles tão te ensinando uma mentirada só.
– Né não pai! O professor ensinou a gente a fazer remédio natural pras hortas da gente. Eu mesmo fiz um lá que ninguém soube fazer. O professor até disse que era bom eu guardar minha experiência, porque no futuro eu posso ser um grande cientista.
– Uai, que trem é esse de ser cintista?
– CIENTISTA, pai! É a mesma coisa que inventor. Eu vou inventar coisas que vão ajudar as pessoas a terem uma vida melhor.
– E precisa ser cintista pra mudar as coisa minino! Cê tá querendo é inventar moda.
– Não quero inventar. Por exemplo, tem um jeito de limpar o curral e acabar com os carrapatos com um remédio natural. Meu professor tá me ajudano.
– Cê é bobo? Cê tá quereno é fugir da lida, por isso cê tá com essa cunversa de cintista e ventor.
– Não pai, cê não tá entendendo eu vou continuar a ajudar o senhor, só que com minhas invenções. A vida do senhor vai ficar mais fácil.
– Minino, ocê sabeno ler e escrever e tendo um trabáio bão que cê não vai precisar incher as mão de calo igual seu velho pai já me deixa por demais satisfeito. Tem necessidade docê inventá nada não. Cê tem que intendê uma coisa: esse fessor seu ele é rico, tem famia de nome. Por isso ele viro cintista e invento. Gente pobre e simple como nós num faz essas coisa aí não. Eu quero que ocê estuda pra num fica pra sempre na roça igual eu, mas cê pode ser douto, fessor, dintista.. mas esse trem de cintista é bobagem.
– Ô pai cê não tá entendeno nada. Eu posso ser cientista também e mudar aqui nossa cidade, Santo Antônio do Grama e até mesmo Minas toda com meus inventos na faculdade. Quando eu chegar lá eles ensina a gente a ser cientista. E eu vou ter futuro igual o senhor qué.
– Ó! Cê chega dessa cunversa e vai lavar o galinhero e depois estudá pra ce doutor e não inventor. Pára com esse trem de querer ce igual os minino da capital. Eles é que pode ce cintista.
Cabisbaixo o menino foi limpar o galinheiro e pensou:
– Pai tem razão. Na roça quem precisa de inventor? Eles precisam é de médico para curar as doenças.
Ele tira do bolso a receita do seu remédio de plantas, respira fundo, pega a pá e começa a limpar o chão do galinheiro.
O pai voltando pra dentro de casa olhou para mesa do quarto e começou a contar quantos remédios toma e matutou:
– Será que tem jeito mesmo deu tomar um remédio só? Té que seria bão! Ara! Cê bôbo, Jusé! Ninguém pó fazê isso não. Isso é bobiça do quinzin.
Longe de lá, mais precisamente em Belo Horizonte, Paulo de oito anos e ganhador do prêmio de melhor projeto de ciências da escola sonha com o seu futuro cientifico recordando das palavras do secretário de ciência do Estado dizendo ao microfone na solenidade de premiação: “Estamos investindo pesado na ciência de todas as nossas Gerais, pois sabemos que sem ciência não há desenvolvimento. Só este ano concedemos 19 milhões de reais para pagamento de bolsas de pesquisa às universidades e centros de pesquisa!”.
Paulo olha para o mapa e vê o tamanho de Minas Gerais e quantas cidades compõem o velho narigudo e fica imaginando quantas crianças, como ele, gostam de ciência.
– Esse dinheiro todo deve dá pra todo mundo. Deve ter outras crianças como eu fazendo projetos de ciências com ajuda dos pais e professores… deve ter!
Mal sabe Paulo que lá em Santo Antônio do Grama ciência e invenção é coisa de outro mundo.